Sobre o wakon-yōsai
(和魂洋才): Ciência no
Japão do pós-guerra e o advento do super-estado japonês
Augusto
Bruno de Carvalho Dias Leite
Mestrando
/ Ciência e Cultura na História
Universidade
Federal de Minas Gerais
augustobrunoc@yahoo.com.br
O Japão figura entre as três maiores economias do mundo, segundo dados do
Banco Mundial.[1] Por seu
lugar econômico, pela importância que adquiriu no século XX não só para o mundo
oriental, mas para o mundo ocidental, dedicar-se a estudos japoneses se torna uma
tarefa necessária. Especialmente quando se fala de ciência e tecnologia, o
Japão aparece sempre como referência. Pois então, é justo que se entenda como
os japoneses adquiririam tal status.
O seguitne trabalho busca uma contribuição para esse debate.
Objetiva-se aqui evidenciar a medida de contrubuição da cultura da
tecnologia no Japão contemporâneo para o advento do chamado super-Estado
japonês.[2]
Desde as assimilações tecnológicas do ocidente, envolvendo o movimento de
embaixadas financiadas pelo governo para os principais centros tecnológicos e
científicos na Europa e EUA de fins do século XIX; passando pelo início do
processo de autonomia técnico-cinetífica, na primeira metade do século XX –
especialmente entre os anos de 1910 e 1940, quando das guerras e os investimentos
em tecnologia militar –; até o pós-guerra, momento do chamado “milagre
japonês”, privilegiado por esse projeto; tem-se, então, três momentos[3]
principais para um estudo acerca do desenvolvimento da ciência e da tecnologia
no Japão do século XX. As empreitadas do estado e da iniciativa privada, no que
tange o investimento em ciência e tecnologia, são de importância crucial para
compreensão do processo de inserção do Japão na lógica econômico-política
ocidental. Tal inserção se deu de forma a tornar o Estado japonês, já em fins
dos anos de 1960, a segunda economia mundial; ou seja, uma inserção de sucesso.
A partir da reabertura político-diplomática do Japão na segunda metado do
séc. XIX, tanto pelo aumento do número das embaixadas de cunho educativo ao ocidente
quanto por dinâmicas internas, a ciência, enquanto empreendimento ocidental,
pesquisa e inovação em tecnologia no território japonês se estabelecem de forma
contínua e crescente. Para dar base a esse movimento é estruturado um aparato
de investimento em pesquisa e inovação tecnológica. Nesse momento a filosofia
da ciência japonêsa se pautava no wakon-yōsai,
(和魂洋才),
“o aprender do ocidente, mantendo o espírito japonês”. Máxima introduzida por
Yoshikawa Tadayasu (吉川忠安) em seu Kaika Sakuron (開化策論).[4]
A partir de então, o império japonês testa seus investimentos. Linhas de
trem, telégrafos, prédios em estilo europeu, e, especialmente, armas ocidentais
ocupam então o espaço do japonês de início de séc. XX. As duas grandes guerras, em especial a
segunda, são momentos importantes para a cultura científica japonêsa, quando o wakon-yōsai é colocado em xeque. Com o
resultado do embate bélico na Segunda Grande Guerra o status de potência
adquirido pelo Japão é revisto pelos próprios japonêses. O ato de capitulação
japonês é encarado não apenas como uma derrota militar e política; mais do que
isso, para o Japão de então, fora a derrota da capacidade técnico-científica
japonesa ante a capacidade técnico-científica das potências do ocidente.
A partir do trauma da guerra, a renovação do corpus filosófico da ciência foi uma demanda urgente, oriunda do
próprio corpo intelectual e político, visto a falência do antigo modelo ligada
ao aparato ideologizante do Estado. O momento já não suportava a filosofia do wakon-yoosai. Essas mudança no corpus filosófico gerou nas práticas
científicas japonêsas mudanças cruciais que contribuiram para o sucesso
posterior, apreciado pela geração do pós-guerra. A geração que fez do Estado
japonês uma potência pouco mais de duas décadas depois do fim da Segunda Guerra
Mundial.
Visto isso, é pertinente contextualizar esse momento. Entendendo o fim da
II Grande Guerra como ponto de inflexão na historia japonesa enxergamos, então,
dois momentos distintos: um Japão pré-guerra e outro pós-guerra. O porque
desses dois momentos serem encarados como distintos não reside apenas no
tocante aos traumas da destruição física do país, de sua economia, de sua
infraestrutura, para uma posterior reconstrução; estruturas da cultura, do
imaginário social, relativas a identidade nacional, foram modificadas. São tão sensíveis as mudanças que alguns
historiadores tratam o período de transição, do fim da guerra aos anos de 1950,
como a segunda revolução Meiji[5].
Porém, assim como na citada revolução, existem algumas permanências, além das
mudanças. Os valores da tradição japonesa impõem sua força em uma medida
relevante, enquanto o ocidente exerce o seu fascínio sob a comunidade japonesa.
Um movimento de dialogo entre as tradições e a moderna realidade imposta pelas
forças de Ocupação acontece.
O país que assistiu a queda de duas bombas atômicas em seu solo tenta,
então, reerguer-se. Reformas eclodem em diversos níveis e instituições da
sociedade civil, militar e política. A título de ilustração poder-se-ia citar a
reforma agrária do ano de 1946. A reforma de terras não apenas desproveu as antigas
oligarquias agrárias de seu poder secular, mas as distribuiu de forma
equilibrada para a população agricultora. Várias outras antigas demandas como
essa, não permitidas pela “modernização conservadora”[6]
promovida décadas antes, encontraram espaço. É assistido o erigir de um novo
Estado japonês. O embate entre as forças ultra-conservadoras e militaristas,
partidarias da “inviolabilidade” do imperador, e, por outro lado, os
reformistas, foi de intensa importância para a conformação do novo Estado. Não apenas em seus termos políticos, mas
econômicos e sociais. De fato, as forças de Ocupação Aliadas e seus dirigentes
eram os senhores da palavra final, porém, não se deve excluir a participação
dos elementos nacionais nas balisas governamentais desse período de transição.
Em um cenário caótico, sob a ocupação estrangeira, o governo inicia sua
reestruturação. Até meados dos anos de 1950 os investimentos são ainda nos
setores já antes tradicionais e ativos: do aço, indústria têxtil, naval e de
fertilizantes químicos. Nesse interím, uma renovação nos setores de pesquisa em
tecnologia se inicia. Fruto da renovação política já sumariamente detalhada, o
reestabelecimento da diplomacia com o ocidente – agora de forma irrestrita,
diferente dos períodos anteriores, onde a instrumentalização da tecnologia e do
conhecimento oriundo do ocidente era subordinado às ideologias nacionalistas
vigente –, gera trocas de conhecimento, tecnologia e pesquisa. Instituições
como o Nihon-Gakujyutsu-Kaigi (日本学術会議)[7] –
cujo corpo participante contava com a participação direta da alta esfera
governamental, como os ministros das finanças e da educação, diretores das
agencias de planejamento econômico e de ciência e tecnologia, e até mesmo o
primeiro ministro –, estabelecido em 1959, são evidências do esforço
governamental para a promoção de medidas que desenvolvessem a pesquisa e impulsionasse
o conhecimento da técnica. Tal Conselho tem como objetivo finalidade de
promover e reforçar o campo da ciência, com o intuito de promover também a capilaridade
desse conhecimento no cotidiano das pessoas.[8] Com
uma visão de planejamento, estabelecendo metas a longo e curto prazo, o Japão
do pós-guerra alcança já em fins dos anos de 1960, a título de exemplo, o status
de exportador de tecnologia no setor da Indústria pesada de aço e metalurgia.
Empresas de países como Itália, Inglaterra, Malásia e Brasil – cito aqui a
título de exemplo a USIMINAS, tradicional siderúrgica do estado de Minas Gerais
–, estabelecem contratos de consultoria e troca de tecnologia com a então
japonesa Yawata Steel. Setores como o automobilístico, de eletrônicos,
petroquímico, já estabelecidos em países como os EUA, iniciavam também seus
passos dentro do território japonês.[9]
Já no ano de 1968 o Japão se torna a segunda economia do mundo. Como um
país oriundo das cinzas da guerra alcança em menos de um quarto de século tal
estatuto? Fatores foram diversos. Dentre eles, a estruturação de um cultura da
ciência e inovação tecnológica teve uma contribuição decisiva. O xenófobo Japão
bélico transmuta seu Yamato-damashi (大和魂)
em prol de um cosmopolitanismo científico, cuja meta final é o conhecimento,
sua valorização, divulgação, e objetivação em técnica e tecnologia; não mais a
superação do outro, no caso, o ocidental.
[1] World Development Indicators
database, World Bank, 15 December 2010.
[2] Ver ETO, Jun. Uma Nação Renascida: Breve História do Japão Pós-Guerra.
Consulado Geral do Japão, Rio de Janeiro, 1976.
[3] Ver
UCHIDA, Hoshimi. Short History of Japanese Technology, 1995.
[4] Discurso Sobre a Modernização –
referência a modernização específica trazida pelos movimentos de reabertura
política, diplomática e as consequentes trocas culturais advindas da Era Meiji.
[5]
Movimento político-econômico e social da segunda metade do séc. XIX. Após
promover a queda do bakufu(幕府) secular do Shogun (将軍) Ieyasu Tokugawa, o Imperador
e seus ministros realizam uma série de alterações nos diversos níveis e
instancias da sociedade japonesa de então. É um momento marcado pela abertura
para o ocidente, especialmente em termos econômicos e intelectual.
[6] Ver PIRES,
Murilo José de Souza; RAMOS, Pedro. O
Termo Modernização Conservadora: Sua Origem e Utilização no Brasil. Revista
Econômica do Nordeste. Vol. 40, Nº 3. Julho – Setembro, 2009.
[7] Conselho
de Ciência e Tecnologia do Japão.
[9] Ver
HAYASHI, Takeshi. The Japanese
Experience in Technology: From Transfer to Self-Reliance. United Nations
University Press, 1990.
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