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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sobre o wakon-yōsai (和魂洋才): Ciência no Japão do pós-guerra e o advento do super-estado japonês


Sobre o wakon-yōsai (和魂洋才): Ciência no Japão do pós-guerra e o advento do super-estado japonês

 

 

Augusto Bruno de Carvalho Dias Leite

Mestrando / Ciência e Cultura na História

Universidade Federal de Minas Gerais

augustobrunoc@yahoo.com.br

 

O Japão figura entre as três maiores economias do mundo, segundo dados do Banco Mundial.[1] Por seu lugar econômico, pela importância que adquiriu no século XX não só para o mundo oriental, mas para o mundo ocidental, dedicar-se a estudos japoneses se torna uma tarefa necessária. Especialmente quando se fala de ciência e tecnologia, o Japão aparece sempre como referência. Pois então, é justo que se entenda como os japoneses adquiririam tal status. O seguitne trabalho busca uma contribuição para esse debate.

Objetiva-se aqui evidenciar a medida de contrubuição da cultura da tecnologia no Japão contemporâneo para o advento do chamado super-Estado japonês.[2] Desde as assimilações tecnológicas do ocidente, envolvendo o movimento de embaixadas financiadas pelo governo para os principais centros tecnológicos e científicos na Europa e EUA de fins do século XIX; passando pelo início do processo de autonomia técnico-cinetífica, na primeira metade do século XX – especialmente entre os anos de 1910 e 1940, quando das guerras e os investimentos em tecnologia militar –; até o pós-guerra, momento do chamado “milagre japonês”, privilegiado por esse projeto; tem-se, então, três momentos[3] principais para um estudo acerca do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Japão do século XX. As empreitadas do estado e da iniciativa privada, no que tange o investimento em ciência e tecnologia, são de importância crucial para compreensão do processo de inserção do Japão na lógica econômico-política ocidental. Tal inserção se deu de forma a tornar o Estado japonês, já em fins dos anos de 1960, a segunda economia mundial; ou seja, uma inserção de sucesso.

A partir da reabertura político-diplomática do Japão na segunda metado do séc. XIX, tanto pelo aumento do número das embaixadas de cunho educativo ao ocidente quanto por dinâmicas internas, a ciência, enquanto empreendimento ocidental, pesquisa e inovação em tecnologia no território japonês se estabelecem de forma contínua e crescente. Para dar base a esse movimento é estruturado um aparato de investimento em pesquisa e inovação tecnológica. Nesse momento a filosofia da ciência japonêsa se pautava no wakon-yōsai, (和魂洋才), “o aprender do ocidente, mantendo o espírito japonês”. Máxima introduzida por Yoshikawa Tadayasu (吉川忠安) em seu Kaika Sakuron (開化策論).[4]

A partir de então, o império japonês testa seus investimentos. Linhas de trem, telégrafos, prédios em estilo europeu, e, especialmente, armas ocidentais ocupam então o espaço do japonês de início de séc. XX.  As duas grandes guerras, em especial a segunda, são momentos importantes para a cultura científica japonêsa, quando o wakon-yōsai é colocado em xeque. Com o resultado do embate bélico na Segunda Grande Guerra o status de potência adquirido pelo Japão é revisto pelos próprios japonêses. O ato de capitulação japonês é encarado não apenas como uma derrota militar e política; mais do que isso, para o Japão de então, fora a derrota da capacidade técnico-científica japonesa ante a capacidade técnico-científica das potências do ocidente.

A partir do trauma da guerra, a renovação do corpus filosófico da ciência foi uma demanda urgente, oriunda do próprio corpo intelectual e político, visto a falência do antigo modelo ligada ao aparato ideologizante do Estado. O momento já não suportava a filosofia do wakon-yoosai. Essas mudança no corpus filosófico gerou nas práticas científicas japonêsas mudanças cruciais que contribuiram para o sucesso posterior, apreciado pela geração do pós-guerra. A geração que fez do Estado japonês uma potência pouco mais de duas décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Visto isso, é pertinente contextualizar esse momento. Entendendo o fim da II Grande Guerra como ponto de inflexão na historia japonesa enxergamos, então, dois momentos distintos: um Japão pré-guerra e outro pós-guerra. O porque desses dois momentos serem encarados como distintos não reside apenas no tocante aos traumas da destruição física do país, de sua economia, de sua infraestrutura, para uma posterior reconstrução; estruturas da cultura, do imaginário social, relativas a identidade nacional, foram modificadas.  São tão sensíveis as mudanças que alguns historiadores tratam o período de transição, do fim da guerra aos anos de 1950, como a segunda revolução Meiji[5]. Porém, assim como na citada revolução, existem algumas permanências, além das mudanças. Os valores da tradição japonesa impõem sua força em uma medida relevante, enquanto o ocidente exerce o seu fascínio sob a comunidade japonesa. Um movimento de dialogo entre as tradições e a moderna realidade imposta pelas forças de Ocupação acontece.

O país que assistiu a queda de duas bombas atômicas em seu solo tenta, então, reerguer-se. Reformas eclodem em diversos níveis e instituições da sociedade civil, militar e política. A título de ilustração poder-se-ia citar a reforma agrária do ano de 1946. A reforma de terras não apenas desproveu as antigas oligarquias agrárias de seu poder secular, mas as distribuiu de forma equilibrada para a população agricultora. Várias outras antigas demandas como essa, não permitidas pela “modernização conservadora”[6] promovida décadas antes, encontraram espaço. É assistido o erigir de um novo Estado japonês. O embate entre as forças ultra-conservadoras e militaristas, partidarias da “inviolabilidade” do imperador, e, por outro lado, os reformistas, foi de intensa importância para a conformação do novo Estado.  Não apenas em seus termos políticos, mas econômicos e sociais. De fato, as forças de Ocupação Aliadas e seus dirigentes eram os senhores da palavra final, porém, não se deve excluir a participação dos elementos nacionais nas balisas governamentais desse período de transição.

Em um cenário caótico, sob a ocupação estrangeira, o governo inicia sua reestruturação. Até meados dos anos de 1950 os investimentos são ainda nos setores já antes tradicionais e ativos: do aço, indústria têxtil, naval e de fertilizantes químicos. Nesse interím, uma renovação nos setores de pesquisa em tecnologia se inicia. Fruto da renovação política já sumariamente detalhada, o reestabelecimento da diplomacia com o ocidente – agora de forma irrestrita, diferente dos períodos anteriores, onde a instrumentalização da tecnologia e do conhecimento oriundo do ocidente era subordinado às ideologias nacionalistas vigente –, gera trocas de conhecimento, tecnologia e pesquisa. Instituições como o Nihon-Gakujyutsu-Kaigi (日本学術会議)[7] – cujo corpo participante contava com a participação direta da alta esfera governamental, como os ministros das finanças e da educação, diretores das agencias de planejamento econômico e de ciência e tecnologia, e até mesmo o primeiro ministro –, estabelecido em 1959, são evidências do esforço governamental para a promoção de medidas que desenvolvessem a pesquisa e impulsionasse o conhecimento da técnica. Tal Conselho tem como objetivo finalidade de promover e reforçar o campo da ciência, com o intuito de promover também a capilaridade desse conhecimento no cotidiano das pessoas.[8] Com uma visão de planejamento, estabelecendo metas a longo e curto prazo, o Japão do pós-guerra alcança já em fins dos anos de 1960, a título de exemplo, o status de exportador de tecnologia no setor da Indústria pesada de aço e metalurgia. Empresas de países como Itália, Inglaterra, Malásia e Brasil – cito aqui a título de exemplo a USIMINAS, tradicional siderúrgica do estado de Minas Gerais –, estabelecem contratos de consultoria e troca de tecnologia com a então japonesa Yawata Steel. Setores como o automobilístico, de eletrônicos, petroquímico, já estabelecidos em países como os EUA, iniciavam também seus passos dentro do território japonês.[9]

Já no ano de 1968 o Japão se torna a segunda economia do mundo. Como um país oriundo das cinzas da guerra alcança em menos de um quarto de século tal estatuto? Fatores foram diversos. Dentre eles, a estruturação de um cultura da ciência e inovação tecnológica teve uma contribuição decisiva. O xenófobo Japão bélico transmuta seu Yamato-damashi (大和魂) em prol de um cosmopolitanismo científico, cuja meta final é o conhecimento, sua valorização, divulgação, e objetivação em técnica e tecnologia; não mais a superação do outro, no caso, o ocidental.



[1] World Development Indicators database, World Bank, 15 December 2010.
[2] Ver ETO, Jun. Uma Nação Renascida: Breve História do Japão Pós-Guerra. Consulado Geral do Japão, Rio de Janeiro, 1976.
[3] Ver UCHIDA, Hoshimi. Short History of Japanese Technology, 1995.
[4] Discurso Sobre a Modernização – referência a modernização específica trazida pelos movimentos de reabertura política, diplomática e as consequentes trocas culturais advindas da Era Meiji.
[5] Movimento político-econômico e social da segunda metade do séc. XIX. Após promover a queda do bakufu(幕府) secular do Shogun (将軍) Ieyasu Tokugawa, o Imperador e seus ministros realizam uma série de alterações nos diversos níveis e instancias da sociedade japonesa de então. É um momento marcado pela abertura para o ocidente, especialmente em termos econômicos e intelectual.
[6] Ver PIRES, Murilo José de Souza; RAMOS, Pedro. O Termo Modernização Conservadora: Sua Origem e Utilização no Brasil. Revista Econômica do Nordeste. Vol. 40, Nº 3. Julho – Setembro, 2009.
[7] Conselho de Ciência e Tecnologia do Japão.
[8] Segundo site da instituição: http://www.scj.go.jp/ja/scj/index.html. Minha tradução.
[9] Ver HAYASHI, Takeshi. The Japanese Experience in Technology: From Transfer to Self-Reliance. United Nations University Press, 1990.

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