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O "Colóquio Internacional: Tendências contemporâneas da comunicação científica: desafios e perspectivas" foi promovido pela Diretoria de Divulgação Científica, orgão da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram debatidos os principais desafios da comunicação científica contemporânea tanto em ambientes corporativos quanto em redes entre países da América do Sul.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DESAFIOS DA CONSOLIDAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA E A HISTÓRIA DA FACULDADE DE FARMÁCIA


DESAFIOS DA CONSOLIDAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA E  A HISTÓRIA DA FACULDADE DE FARMÁCIA

Autores:

Irene Nogueira de Rezende

Reinaldo Guilherme Bechler

Instituição:

Faculdade de Farmácia da UFMG


 

Instigados pelos trabalhos para formação do Centro de Memória da Faculdade de Farmácia da UFMG – que contou com a participação conjunta de pesquisadores e alunos dos cursos de História e Farmácia desta Universidade –, nasceu o desejo tornar concreta uma narrativa histórica contemporânea acerca da instituição.

Concebido pelo Professor Gerson Antônio Pianetti e inaugurado em 2011 com a preocupação de “recuperar, organizar, disseminar e preservar o patrimônio documental” da Faculdade de Farmácia da UFMG, o Centro de Memória da Farmácia encara agora os desafios da consolidação de um local aberto para visitas, pesquisas, consultas, realizando, portanto, o seu objetivo precípuo como espaço museológico. Assim, com o objetivo de enriquecer o Centro de Memória da Farmácia, partimos para a consolidação do projeto de pesquisa sobre  o percurso da Faculdade de Farmácia criada em 1911, em plena República Velha. Mais especificamente quando governava o Brasil Hermes da Fonseca e, em Minas, Júlio Bueno Brandão era quem presidia o estado.

Ao completar seu primeiro centenário, a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais oferece-nos um singular testemunho histórico dos desafios políticos e científicos enfrentados, tanto para o desenvolvimento de saberes acadêmicos adaptados aos mais conturbados contextos sociais vividos nesse período, quanto para a formação de profissionais capazes de se adaptar ao dinamismo dessa época. Seus arquivos estão repletos de informações que podem contribuir para a análise da formação do conhecimento em um período de intensas mudanças técnicas, tecnológicas; mudanças nos padrões de produção e consumo na área farmacêutica; e alterações significativas nas formas de conceber padrões de conhecimento na área.

A pesquisa ora proposta objetiva analisar a trajetória institucional dessa Faculdade sob um prisma histórico-social, isto é, valorizando sua contribuição acadêmica no contexto social em que está inserida.

Esquiva-se aqui da intenção de valorizar personagens humanos em especial, como diretores, professores ilustres, etc. Há que se ressaltar, todavia, que, como em qualquer análise histórica, serão feitas escolhas teórico-metodológicas que privilegiarão alguns aspectos dessa instituição em detrimento de outros, especialmente, em um primeiro momento, para demarcar os sinais e indícios de padrões de pensamentos, ou estilos de pensamento, como conceituou o médico polonês Ludwik Fleck[1].

Ao promover a comunhão de profissionais e de saberes multidisciplinares, o trabalho que propomos visa não apenas corroborar com contemporâneas perspectivas acadêmicas que valorizam a proficuidade de tal aproximação, como também servir de instrumento prático às reflexões de correntes da filosofia da ciência de nosso tempo[2], que acreditam haver algo possível de ser apresentado no seu respectivo contexto histórico e no contexto da produção de conhecimento científico que, em última análise, deve ser reconhecido e analisado segundo preceitos teóricos de cada tempo.

O desenvolvimento de saberes interdisciplinares tem sido uma prática bastante valorizada por instituições acadêmicas contemporâneas, especialmente por sua capacidade de fornecer respostas condizentes ao dinamismo e a “tecnologização” do mundo em que vivemos. Nesse contexto, muitos historiadores têm se questionado sobre a possível contribuição de sua atividade profissional para a formação da interdisciplinaridade. Introduzir “historicidade” na formação de advogados, médicos, farmacêuticos, etc., constitui-se atualmente uma tarefa árdua, já que grande parte desses profissionais ainda compreende a história como um instrumento de recuperação de um passado linear e progressivo, atitude que tem sido evitada pela historiografia. Como afirma a socióloga Cláudia Rodrigues, um dos grandes problemas metodológicos – ou dos grandes trunfos, dependendo da capacidade dos profissionais envolvidos na sua produção – da interdisciplinaridade é que ela baseia-se sempre em “incompreensões parciais”, fazendo da perspicácia intelectual para salientar os elementos relevantes de cada uma das áreas envolvidas a principal atribuição de quem se aventura por esse terreno[3]. 

Assim, mais do que narrar pura e simplesmente a história da Faculdade de Farmácia da UFMG, propomos uma análise da construção do conhecimento científico do curso de Farmácia da UFMG, e das relações desse conhecimento com as esferas sociais estaduais e federais ao longo desse um século de história. No âmbito das ciências da saúde, tal análise poderá servir de instrumento de reflexão de suas práticas contemporâneas, no sentido de compreendê-las enquanto um conhecimento datado e arraigado em estruturas detentoras de subjetividade e temporalmente construídas. Além disso, espera-se que a pesquisa também instigue uma reflexão da instituição sobre seu devir, sua memória ou, em uma palavra: sobre sua própria historicidade. E para nós, historiadores da ciência, ela será útil na medida em que apresenta elementos sociais, políticos e científicos observáveis apenas nesse tipo de esforço, e que já constituem, por fim, um rico tema de pesquisas contemporâneas[4].

Cada vez mais, a validade da história das ciências não se restringe à comunidade de historiadores das ciências, afastados dos laboratórios e do cotidiano do exercício da produção da ciência. Ao recuperar a historicidade de determinadas áreas de produção do conhecimento cientifico, realiza-se um esforço de apresentar as redes de construção de significado da própria formação do conhecimento, contribuindo para os atores desta produção percebam-se também, inseridos em um contexto histórico de produção do saber. 

Em uma perspectiva mais ampla, a preocupação em recuperar, organizar, preservar e disseminar o patrimônio documental, a memória oral, imagens, artefatos e instrumentos que registram a história e a memória ganham cada vez mais espaço nas universidades. Essas demandas surgem para suprir necessidades acadêmicas de ensino e de pesquisa, como também uma busca de interpretação da história, da re-significação de eventos, equipes, pesquisas e instituições. Corroborando com tal ideia, o presente projeto de pesquisa pleiteia, portanto, a oportunidade de analisar a trajetória centenária dessa instituição no contexto dos debates, metodologias e teorias da história das ciências.  Análise que se pretende trabalhar concomitantemente à consolidação do Centro de Memória da Farmácia como espaço museológico no mais amplo significado do termo, ou seja, lócus privilegiado para a divulgação da história da farmácia e de maior conhecimento da sua dinâmica por meio da dimensão crítica de seu acervo e futuras exposições.

 



[1] Este trabalho segue a orientação teórica de Ludwik Fleck, que escolheu a sífilis, objeto de sua lida médica cotidiana, para elucidar a construção da ciência a partir do estudo de casos da sifilografia. Em linhas gerais, Fleck desenvolve a ideia sobre o papel das práticas profissionais na construção e validação dos fatos científicos. O conhecimento, segundo sua perspectiva, não pode ser concebido fora de um grupo de pessoas que o criam e o possuem. Um fato científico é como uma regra desenvolvida por um pensamento coletivo, isto é, um grupo de pessoas ligadas a um estilo de pensamento comum. Sobre isso, ver: FLECK, Ludwik. Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. 
[2] Personificada, por exemplo, em autores como Maria Amélia M. Dantes. Sobre isso ver: DANTES, Maria Amélia M. As ciências na história brasileira. In: Ciência e Cultura. Vol. 57 n.1. São Paulo. Jan-Mar. 2005.
[3] RODRIGUES, Cláudia. Contribuições do saber histórico para uma prática interdisciplinar. In: Revista Fatos e Versões. V. 2/N.4 – jul. dez. 2010. 
[4] Rica é a bibliografia da Sociologia da Ciência contemporânea que trabalha com esse tipo de análise. Ver, por exemplo: WERNECK, Vera Rudge. Sobre o processo de construção do conhecimento: o papel do ensino e da pesquisa. In: Ensaio: aval. pol. Públ. Educ. Rio de Janeiro, v. 14, n. 51, p. 173-196, abr-jun. 2006.

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