DESAFIOS
DA CONSOLIDAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA E A
HISTÓRIA DA FACULDADE DE FARMÁCIA
Autores:
Irene Nogueira
de Rezende
Reinaldo
Guilherme Bechler
Instituição:
Faculdade de
Farmácia da UFMG
Instigados pelos trabalhos para formação do Centro
de Memória da Faculdade de Farmácia da UFMG – que contou com a participação
conjunta de pesquisadores e alunos dos cursos de História e Farmácia desta
Universidade –, nasceu o desejo tornar concreta uma narrativa histórica
contemporânea acerca da instituição.
Concebido pelo Professor Gerson Antônio Pianetti e inaugurado
em 2011 com a preocupação de “recuperar, organizar, disseminar e preservar o
patrimônio documental” da Faculdade de Farmácia da UFMG, o Centro de Memória da
Farmácia encara agora os desafios da consolidação de um local aberto para
visitas, pesquisas, consultas, realizando, portanto, o seu objetivo precípuo como
espaço museológico. Assim, com o objetivo de enriquecer o Centro de Memória da Farmácia,
partimos para a consolidação do projeto de pesquisa sobre o percurso da Faculdade de Farmácia criada em
1911, em plena República Velha. Mais especificamente quando governava o Brasil Hermes
da Fonseca e, em Minas, Júlio Bueno Brandão era quem presidia o estado.
Ao completar seu primeiro
centenário, a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais
oferece-nos um singular testemunho histórico dos desafios políticos e
científicos enfrentados, tanto para o desenvolvimento de saberes acadêmicos
adaptados aos mais conturbados contextos sociais vividos nesse período, quanto
para a formação de profissionais capazes de se adaptar ao dinamismo dessa
época. Seus arquivos estão repletos de informações que podem contribuir para a
análise da formação do conhecimento em um período de intensas mudanças
técnicas, tecnológicas; mudanças nos padrões de produção e consumo na área
farmacêutica; e alterações significativas nas formas de conceber padrões de
conhecimento na área.
A pesquisa ora proposta objetiva
analisar a trajetória institucional dessa Faculdade sob um prisma
histórico-social, isto é, valorizando sua contribuição acadêmica no contexto
social em que está inserida.
Esquiva-se aqui da intenção de
valorizar personagens humanos em especial, como diretores, professores
ilustres, etc. Há que se ressaltar, todavia, que, como em qualquer análise
histórica, serão feitas escolhas teórico-metodológicas que privilegiarão alguns
aspectos dessa instituição em detrimento de outros, especialmente, em um
primeiro momento, para demarcar os sinais e indícios de padrões de pensamentos,
ou estilos de pensamento, como
conceituou o médico polonês Ludwik Fleck[1].
Ao promover a comunhão de
profissionais e de saberes multidisciplinares, o trabalho que propomos visa não
apenas corroborar com contemporâneas perspectivas acadêmicas que valorizam a
proficuidade de tal aproximação, como também servir de instrumento prático às
reflexões de correntes da filosofia da ciência de nosso tempo[2],
que acreditam haver algo possível de ser apresentado no seu respectivo contexto
histórico e no contexto da produção de conhecimento científico que, em última
análise, deve ser reconhecido e analisado segundo preceitos teóricos de cada
tempo.
O desenvolvimento de saberes
interdisciplinares tem sido uma prática bastante valorizada por instituições
acadêmicas contemporâneas, especialmente por sua capacidade de fornecer
respostas condizentes ao dinamismo e a “tecnologização” do mundo em que
vivemos. Nesse contexto, muitos historiadores têm se questionado sobre a
possível contribuição de sua atividade profissional para a formação da
interdisciplinaridade. Introduzir “historicidade” na formação de advogados,
médicos, farmacêuticos, etc., constitui-se atualmente uma tarefa árdua, já que
grande parte desses profissionais ainda compreende a história como um
instrumento de recuperação de um passado linear e progressivo, atitude que tem
sido evitada pela historiografia. Como afirma a socióloga Cláudia Rodrigues, um
dos grandes problemas metodológicos – ou dos grandes trunfos, dependendo da
capacidade dos profissionais envolvidos na sua produção – da
interdisciplinaridade é que ela baseia-se sempre em “incompreensões parciais”,
fazendo da perspicácia intelectual para salientar os elementos relevantes de
cada uma das áreas envolvidas a principal atribuição de quem se aventura por
esse terreno[3].
Assim, mais do que narrar pura e
simplesmente a história da Faculdade de Farmácia da UFMG, propomos uma análise
da construção do conhecimento científico do curso de Farmácia da UFMG, e das
relações desse conhecimento com as esferas sociais estaduais e federais ao
longo desse um século de história. No âmbito das ciências da saúde, tal análise
poderá servir de instrumento de reflexão de suas práticas contemporâneas, no
sentido de compreendê-las enquanto um conhecimento datado e arraigado em
estruturas detentoras de subjetividade e temporalmente construídas. Além disso,
espera-se que a pesquisa também instigue uma reflexão da instituição sobre seu
devir, sua memória ou, em uma palavra: sobre sua própria historicidade. E para
nós, historiadores da ciência, ela será útil na medida em que apresenta
elementos sociais, políticos e científicos observáveis apenas nesse tipo de
esforço, e que já constituem, por fim, um rico tema de pesquisas contemporâneas[4].
Cada vez mais, a validade da
história das ciências não se restringe à comunidade de historiadores das
ciências, afastados dos laboratórios e do cotidiano do exercício da produção da
ciência. Ao recuperar a historicidade de determinadas áreas de produção do
conhecimento cientifico, realiza-se um esforço de apresentar as redes de
construção de significado da própria formação do conhecimento, contribuindo
para os atores desta produção percebam-se também, inseridos em um contexto
histórico de produção do saber.
Em uma perspectiva mais ampla, a
preocupação em recuperar, organizar, preservar e disseminar o patrimônio
documental, a memória oral, imagens, artefatos e instrumentos que registram a
história e a memória ganham cada vez mais espaço nas universidades. Essas
demandas surgem para suprir necessidades acadêmicas de ensino e de pesquisa,
como também uma busca de interpretação da história, da re-significação de
eventos, equipes, pesquisas e instituições. Corroborando com tal ideia, o
presente projeto de pesquisa pleiteia, portanto, a oportunidade de analisar a
trajetória centenária dessa instituição no contexto dos debates, metodologias e
teorias da história das ciências. Análise
que se pretende trabalhar concomitantemente à consolidação do Centro de Memória
da Farmácia como espaço museológico no mais amplo significado do termo, ou
seja, lócus privilegiado para a divulgação da história da farmácia e de maior
conhecimento da sua dinâmica por meio da dimensão crítica de seu acervo e
futuras exposições.
[1] Este trabalho segue a orientação teórica de Ludwik Fleck, que escolheu a
sífilis, objeto de sua lida médica cotidiana, para elucidar a construção da
ciência a partir do estudo de casos da sifilografia. Em linhas gerais, Fleck
desenvolve a ideia sobre o papel das práticas profissionais na construção e
validação dos fatos científicos. O conhecimento, segundo sua perspectiva, não
pode ser concebido fora de um grupo de pessoas que o criam e o possuem. Um fato
científico é como uma regra desenvolvida por um pensamento coletivo, isto é, um
grupo de pessoas ligadas a um estilo de
pensamento comum. Sobre isso, ver: FLECK, Ludwik. Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico. Belo Horizonte:
Fabrefactum, 2010.
[2] Personificada, por exemplo, em autores como Maria
Amélia M. Dantes. Sobre isso ver: DANTES, Maria Amélia M. As ciências na história brasileira. In: Ciência e Cultura. Vol. 57
n.1. São Paulo. Jan-Mar. 2005.
[3] RODRIGUES, Cláudia. Contribuições
do saber histórico para uma prática interdisciplinar. In: Revista Fatos e
Versões. V. 2/N.4 – jul. dez. 2010.
[4] Rica é a bibliografia da Sociologia da Ciência
contemporânea que trabalha com esse tipo de análise. Ver, por exemplo: WERNECK,
Vera Rudge. Sobre o processo de
construção do conhecimento: o papel do ensino e da pesquisa. In: Ensaio:
aval. pol. Públ. Educ. Rio de Janeiro, v. 14, n. 51, p. 173-196, abr-jun. 2006.
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