EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE AS LEISHMANIOSES NAS
ESCOLAS:
ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS E DA PRÁTICA
PEDAGÓGICA DE PROFESSORES
Viviane Helena de França; Carina Margonari;
Virgínia Torres Schall
Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação
Oswaldo Cruz, Minas Gerais, Brasil.
[E-mail: vivianehfranca@cpqrr.fiocruz.br]
INTRODUÇÃO
As Leishmanioses são doenças crônicas que geram sérios
prejuízos sociais aos portadores e têm grande prevalência mundial. O Brasil é um
dos dez países no mundo nos quais ocorre o maior número de casos das
enfermidades, segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO,2012). De acordo com
o Ministério da Saúde (MS) em 2010 foram notificados no país 26.173 casos por
Leishmaniose Visceral (LV) e Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) (BRASIL,2012).
As estratégias para enfrentamento das doenças adotadas no Brasil não têm
conseguido diminuir sua expansão. Essas são direcionadas ao controle do vetor,
reservatórios, tratamento de doentes e dão pouca ênfase à educação em saúde (BORGES
et al.2008; LUZ et al., 2009).
A divulgação de
informações e construção de conhecimentos por meio da educação em saúde nas
escolas de ensino básico pode propiciar a conscientização, promoção do direito
à saúde e instrumentalização entre docentes, discentes e a comunidade para a
ação individual e coletiva direcionada ao enfrentamento das doenças. A escola é
um polo formal de divulgação científica, deve favorecer a compreensão dos
fenômenos naturais, contribuir para a previsão e controle das transformações socioambientais,
assim como colaborar para a construção de melhores condições de vida. Durante as
aulas de ciências e biologia podem ser reelaborados conceitos, trocadas
experiências sobre as questões relacionadas à qualidade de vida, promoção da
saúde e prevenção de doenças (BRASIL,1998,2002; MOREIRA, 2006). A abordagem do
conteúdo das Leishmanioses em sala de aula pelo professor do ensino fundamental
e médio, nas disciplinas de ciências e biologia, é um ponto relevante a ser
considerado na divulgação de ações profiláticas junto à comunidade.
Com o objetivo de
divulgar informações, promover a comunicação científica coerente em relação às
Leishmanioses no espaço escolar, e assim fomentar seu enfrentamento, realizou-se
a análise de livros didáticos de ciências e biologia adotados em escolas
públicas brasileiras de ensino fundamental e médio no período de 2008 a 2011; e
a investigação de conhecimentos e opiniões entre os professores dessas
disciplinas no município de Divinópolis, Minas Gerais (MG), visando analisar o seu
discurso sobre as práticas pedagógicas junto aos alunos, quando é abordado o
tema.
MÉTODOS
Critérios de seleção e análise dos livros
didáticos
Primeiro realizou-se um levantamento de livros didáticos de ciências (das
séries finais do ensino fundamental) avaliados e indicados pelo Programa
Nacional do Livro Didático - PNLD/ 2008, e livros didáticos de biologia
avaliados e indicados pelo Programa Nacional do Livro do Ensino Médio - PNLEM/
2009. A partir desse levantamento foram verificados 13 livros de ciências do 6º
ao 9º ano do ensino fundamental e nove do ensino médio da 1ª a 3ª série, sendo
analisados dentre esses materiais os que contemplaram o tema das Leishmanioses:
LTA e LV.
Os critérios de análise permitiram avaliar a qualidade dos conceitos e
definições sobre as Leishmanioses quanto à cientificidade, adequação da
linguagem à faixa etária dos escolares, contextualização das enfermidades a
realidade geográfica e socioeconômica, estabelecimento da relação intrínseca entre
saúde, ambiente e seus determinantes sociais. A análise por esses critérios foi
realizada seguindo os subtemas: tipos clínicos das Leishmanioses, agente
etiológico, vetor, reservatórios, manifestações clínicas dessas, tratamento,
medidas de prevenção e controle individuais e coletivas, políticas públicas,
classificando-os nas categorias informações corretas/ adequadas, errôneas,
incompletas ou ausência de informações (não citou o subtema).
Investigação de
conhecimentos entre professores
A
investigação de conhecimentos de professores sobre as Leishmanioses foi
realizada em Divinópolis (MG), área endêmica das doenças. O município
localiza-se próximo a regiões que apresentam epizootias, como Itaúna e Belo Horizonte.
Estudos dentro do perímetro urbano da cidade já verificaram alta taxa de
flebotomíneos e cães infectados por Leishmania
sp. colocando em risco a saúde da população.
Foram selecionados professores de ciências e biologia de escolas de
ensino básico de Divinópolis, do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do ensino
médio, a partir do levantamento das escolas públicas (13 municipais e 19
estaduais) e privadas (nove) no município, e dos professores de ciências e
biologia (139) que lecionavam nessas. Ocorreu a seleção preliminar de 11
docentes por meio de sorteios aleatórios e foram entrevistados 10 atingindo-se
o critério de saturação. Para a inclusão dos professores na pesquisa
considerou-se necessário esses lecionarem pelo menos uma das disciplinas.
Para as entrevistas foi utilizado um roteiro semiestruturado abordando:
dados sociodemográficos e capacitação profissional dos professores; situação
atual das Leishmanioses no município; conhecimentos e opiniões sobre as
doenças; práticas docentes e recursos empregados ao abordar tal conteúdo junto
aos alunos; possíveis ações educativas para o enfrentamento das doenças;
compreensão e prática da educação em saúde. As falas foram gravadas em áudio, transcritas,
informatizadas, e os dados trabalhados na abordagem qualitativa com a análise
de conteúdo temática segundo Bardin (2002). O projeto foi aprovado por Comitê
de Ètica. Na descrição dos resultados foram usados nomes fictícios para os
entrevistados, iniciando com C para docentes de ciências, B biologia e A ambas as
disciplinas.
RESULTADOS
1) Síntese
da análise dos livros didáticos
Foram
encontrados erros e lacunas de informação em todos os livros analisados (Tabela
1). Embora os livros de ciências apresentem um percentual menor de erros que os
de biologia; há nos primeiros 64,3% de informações incompletas enquanto nos livros de biologia 53,3%. Apenas 10,0% de
conteúdo correto nos livros de ciências e 14,5% nos de biologia. Quanto aos
conteúdos incorretos, esses percentuais são mais próximos, 25,7% nos livros de
ciências e 32,2% nos de biologia.
Tabela 1 - Análise dos livros de
ciências (PNDL/ 2008) e biologia (PNLEM /2009), em relação às Leishmanioses:
*C: Informações corretas. ** E: Informações erradas.
*** I: Informações incompletas ou não citou.
Vários livros de ciências e biologia reproduziram os mesmos erros
e lacunas de informação em relação a um determinado subtema. Verificou-se que
os livros analisados não estabeleceram a relação entre saúde e ambiente, com o
contexto local dos professores e alunos, e com a realidade brasileira ao
abordarem o tema. A linguagem adotada nesses materiais caracteriza-se por um
discurso pautado em nomes, sintomas e procedimentos a serem decorados, essa
associada aos erros científicos apontados acima promove um conhecimento
deturpado da caracterização das Leishmanioses.
As informações divulgadas nesses materiais
sobre a LTA e a LV não são de grande utilidade para professores e alunos
conhecedores ou não das doenças. A maioria dos conhecimentos gerados com a leitura
de tal conteúdo não se relaciona à experiência direta dos estudantes, nem é
aplicável à prevenção das enfermidades nos contextos endêmicos ou não. A
ausência de problematização das doenças, pelos livros didáticos, culmina em textos
que não fomentam nos leitores reflexões críticas sobre sua ocorrência no país.
2)
Caracterização
e síntese da análise de conhecimentos dos professores
Os 10
professores têm idades entre 28 e 58 anos. Seis são do sexo masculino e 4
feminino. Um leciona biologia, 1 ciências e 8 lecionam ambas disciplinas.
Quatro trabalham em escolas estaduais, 3 em estaduais e municipais, 2 estaduais
e privadas, e 1 privada. O tempo de profissão dos docentes variou entre 5 e 20
anos, e a renda per capita de 0,7 a
4,7 salários mínimos.
A maioria dos professores inclui a saúde como conteúdo em sala de aula e leciona
sobre as Leishmanioses, mas todos afirmam que nunca passaram por processos de
formação abordando a temática e sentem-se inseguros para trabalhar o tema junto
aos alunos, pois se consideram pouco preparados para tal. Para 5 docentes o
livro didático é portanto o ponto de referência para serem abordadas a LTA e LV
com os alunos: “No ensino fundamental a
gente lê dentro da sala de aula. No ensino.. na rede pública, os meninos usam
mesmo é o livro!” (Andréia, 32 anos). Apesar de apontarem os livros
didáticos de ciências e biologia do PNLD e PNLEM como insuficientes para
promoverem o conhecimento sobre as enfermidades, descrevem que nas escolas
inexistem outros recursos pedagógicos, além desses materiais, para trabalhar o
tema com os alunos, e que também não há programas, políticas e parcerias entre
as escolas e o setor saúde para fomentar uma educação em saúde contextualizada
e atualizada. Para os docentes essas questões dificultam a prática da educação
em saúde sobre o tema nas escolas.
Mesmo os livros didáticos de ciências e biologia sendo percebidos como
“incompletos” e “insuficientes” em relação à LTA e LV por 7 professores,
observa-se a sua confiança nas informações que esses materiais apresentam. Para
6 professores os livros didáticos apresentam conceitos cientificamente
corretos, levando-os a adotá-los e segui-los apesar das falhas apontadas na
análise anterior.
Os docentes denunciam ainda aspectos importantes como a não
correspondência do livro didático escolhido ao de fato recebido nas escolas, a falta
de infraestrutura nessas, e de processos de educação permanente. Sugerem incluir novas tecnologias de
informação para o uso junto ao livro didático, alertando sobre o descompasso
das inovações do século XXI e o atraso da escola no século XX.
Segundo
5 docentes a LTA e LV são consideradas doenças de pouca importância: 3
citaram-nas como um assunto que ninguém se importa, é esquecido; 2 como algo
que não é popular. Para 2 docentes a “Leishmaniose” é uma doença pouco
divulgada. Entretanto, de acordo com a fala de 5 professores, a cidade de
Divinópolis apresenta várias situações que colocam em risco a expansão das Leishmanioses,
mas ressaltaram que não existem políticas públicas direcionadas ao seu enfrentamento
no município. A ausência de campanhas e divulgação de informações sobre a LTA e
LV na cidade dificulta as práticas preventivas.
CONCLUSÃO
As falhas presentes
nos livros analisados e os relatos dos professores entrevistados sobre sua prática
educativa, em relação às Leishmanioses, compreendem uma problemática que necessita
ser revista para a alfabetização científica no contexto escolar. Novas práticas
pedagógicas significativas e problematizadoras, associadas ao uso de materiais
didáticos e lúdicos, atualizados, interessantes e dinâmicos, envolvendo ações
de educação em saúde entre professores e profissionais de saúde, podem desencadear
a conscientização e participação da comunidade escolar no enfrentamento das
doenças. Para Santos (2007) o conhecimento científico trabalhado nas escolas
deve facilitar a leitura do mundo e ajudar na compreensão da realidade,
possibilitando intervir favoravelmente sobre os problemas socioambientais, complementamos
como no caso as Leishmanioses.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN L. Análise
de Conteúdo. Tradução Luís Antero Reto e Augusto
Pinheiro. Lisboa; Edições 70; 2002.
BORGES,
B.K.A et al. Avaliação do nível de conhecimento e attitudes preventivas
da população sobre a leishmaniose visceral em Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 24(4):777-784, abr., 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Políticas de Saúde. A Promoção da saúde no contexto escolar.
Informes Técnicos Institucionais. Rev.
Saúde Pública, 36(2): 533-535, 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação- SINAN. Relatórios Gerenciais. 2012. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/>
Acesso: 10 jun. 2012.
BRASIL. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: saúde. In: Parâmetros Curriculares
Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais.
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:MEC/SEF, 1998. p.243-283
LUZ, Z. P. et al. The organization of health services
and visceral leishmaniasis: an integrated intervention to improve diagnosis and
treatment. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(5):1177-1184, mai, 2009.
MOREIRA, IC. A inclusão social e
a popularização da ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, Brasília, 1(2):11-16, abr.-set, 2006.
SANTOS, WLP. Educação científica na perspectiva de letramento como
prática social: funções, princípios e desafios. Revista
Brasileira de Educação, 12(36): 474-550, set.-dez, 2007.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Temas
de Salud – Leishmaniasis. 2012. Disponível em: <http://www.who.int/leishmaniasis/burden/en/
Acesso em: 10 jun. 2012.
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