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O "Colóquio Internacional: Tendências contemporâneas da comunicação científica: desafios e perspectivas" foi promovido pela Diretoria de Divulgação Científica, orgão da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram debatidos os principais desafios da comunicação científica contemporânea tanto em ambientes corporativos quanto em redes entre países da América do Sul.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE AS LEISHMANIOSES NAS ESCOLAS:


  EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE AS LEISHMANIOSES NAS ESCOLAS:

 ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS E DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES

 

Viviane Helena de França; Carina Margonari; Virgínia Torres Schall

Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, Minas Gerais, Brasil.


 

INTRODUÇÃO

As Leishmanioses são doenças crônicas que geram sérios prejuízos sociais aos portadores e têm grande prevalência mundial. O Brasil é um dos dez países no mundo nos quais ocorre o maior número de casos das enfermidades, segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO,2012). De acordo com o Ministério da Saúde (MS) em 2010 foram notificados no país 26.173 casos por Leishmaniose Visceral (LV) e Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) (BRASIL,2012). As estratégias para enfrentamento das doenças adotadas no Brasil não têm conseguido diminuir sua expansão. Essas são direcionadas ao controle do vetor, reservatórios, tratamento de doentes e dão pouca ênfase à educação em saúde (BORGES et al.2008; LUZ et al., 2009).

 A divulgação de informações e construção de conhecimentos por meio da educação em saúde nas escolas de ensino básico pode propiciar a conscientização, promoção do direito à saúde e instrumentalização entre docentes, discentes e a comunidade para a ação individual e coletiva direcionada ao enfrentamento das doenças. A escola é um polo formal de divulgação científica, deve favorecer a compreensão dos fenômenos naturais, contribuir para a previsão e controle das transformações socioambientais, assim como colaborar para a construção de melhores condições de vida. Durante as aulas de ciências e biologia podem ser reelaborados conceitos, trocadas experiências sobre as questões relacionadas à qualidade de vida, promoção da saúde e prevenção de doenças (BRASIL,1998,2002; MOREIRA, 2006). A abordagem do conteúdo das Leishmanioses em sala de aula pelo professor do ensino fundamental e médio, nas disciplinas de ciências e biologia, é um ponto relevante a ser considerado na divulgação de ações profiláticas junto à comunidade.

 Com o objetivo de divulgar informações, promover a comunicação científica coerente em relação às Leishmanioses no espaço escolar, e assim fomentar seu enfrentamento, realizou-se a análise de livros didáticos de ciências e biologia adotados em escolas públicas brasileiras de ensino fundamental e médio no período de 2008 a 2011; e a investigação de conhecimentos e opiniões entre os professores dessas disciplinas no município de Divinópolis, Minas Gerais (MG), visando analisar o seu discurso sobre as práticas pedagógicas junto aos alunos, quando é abordado o tema.

 

MÉTODOS                  

Critérios de seleção e análise dos livros didáticos

Primeiro realizou-se um levantamento de livros didáticos de ciências (das séries finais do ensino fundamental) avaliados e indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD/ 2008, e livros didáticos de biologia avaliados e indicados pelo Programa Nacional do Livro do Ensino Médio - PNLEM/ 2009. A partir desse levantamento foram verificados 13 livros de ciências do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e nove do ensino médio da 1ª a 3ª série, sendo analisados dentre esses materiais os que contemplaram o tema das Leishmanioses: LTA e LV.

Os critérios de análise permitiram avaliar a qualidade dos conceitos e definições sobre as Leishmanioses quanto à cientificidade, adequação da linguagem à faixa etária dos escolares, contextualização das enfermidades a realidade geográfica e socioeconômica, estabelecimento da relação intrínseca entre saúde, ambiente e seus determinantes sociais. A análise por esses critérios foi realizada seguindo os subtemas: tipos clínicos das Leishmanioses, agente etiológico, vetor, reservatórios, manifestações clínicas dessas, tratamento, medidas de prevenção e controle individuais e coletivas, políticas públicas, classificando-os nas categorias informações corretas/ adequadas, errôneas, incompletas ou ausência de informações (não citou o subtema).

 

Investigação de conhecimentos entre professores

              A investigação de conhecimentos de professores sobre as Leishmanioses foi realizada em Divinópolis (MG), área endêmica das doenças. O município localiza-se próximo a regiões que apresentam epizootias, como Itaúna e Belo Horizonte. Estudos dentro do perímetro urbano da cidade já verificaram alta taxa de flebotomíneos e cães infectados por Leishmania sp. colocando em risco a saúde da população.

Foram selecionados professores de ciências e biologia de escolas de ensino básico de Divinópolis, do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do ensino médio, a partir do levantamento das escolas públicas (13 municipais e 19 estaduais) e privadas (nove) no município, e dos professores de ciências e biologia (139) que lecionavam nessas. Ocorreu a seleção preliminar de 11 docentes por meio de sorteios aleatórios e foram entrevistados 10 atingindo-se o critério de saturação. Para a inclusão dos professores na pesquisa considerou-se necessário esses lecionarem pelo menos uma das disciplinas.

Para as entrevistas foi utilizado um roteiro semiestruturado abordando: dados sociodemográficos e capacitação profissional dos professores; situação atual das Leishmanioses no município; conhecimentos e opiniões sobre as doenças; práticas docentes e recursos empregados ao abordar tal conteúdo junto aos alunos; possíveis ações educativas para o enfrentamento das doenças; compreensão e prática da educação em saúde.  As falas foram gravadas em áudio, transcritas, informatizadas, e os dados trabalhados na abordagem qualitativa com a análise de conteúdo temática segundo Bardin (2002). O projeto foi aprovado por Comitê de Ètica. Na descrição dos resultados foram usados nomes fictícios para os entrevistados, iniciando com C para docentes de ciências, B biologia e A ambas as disciplinas.

 

RESULTADOS

1)      Síntese da análise dos livros didáticos

Foram encontrados erros e lacunas de informação em todos os livros analisados (Tabela 1). Embora os livros de ciências apresentem um percentual menor de erros que os de biologia; há nos primeiros 64,3% de informações incompletas enquanto nos livros de biologia 53,3%. Apenas 10,0% de conteúdo correto nos livros de ciências e 14,5% nos de biologia. Quanto aos conteúdos incorretos, esses percentuais são mais próximos, 25,7% nos livros de ciências e 32,2% nos de biologia.

Tabela 1 - Análise dos livros de ciências (PNDL/ 2008) e biologia (PNLEM /2009), em relação às Leishmanioses:

  

   *C: Informações corretas.  ** E: Informações erradas.  *** I: Informações incompletas ou não citou.

 

Vários livros de ciências e biologia reproduziram os mesmos erros e lacunas de informação em relação a um determinado subtema. Verificou-se que os livros analisados não estabeleceram a relação entre saúde e ambiente, com o contexto local dos professores e alunos, e com a realidade brasileira ao abordarem o tema. A linguagem adotada nesses materiais caracteriza-se por um discurso pautado em nomes, sintomas e procedimentos a serem decorados, essa associada aos erros científicos apontados acima promove um conhecimento deturpado da caracterização das Leishmanioses.

As informações divulgadas nesses materiais sobre a LTA e a LV não são de grande utilidade para professores e alunos conhecedores ou não das doenças. A maioria dos conhecimentos gerados com a leitura de tal conteúdo não se relaciona à experiência direta dos estudantes, nem é aplicável à prevenção das enfermidades nos contextos endêmicos ou não. A ausência de problematização das doenças, pelos livros didáticos, culmina em textos que não fomentam nos leitores reflexões críticas sobre sua ocorrência no país.

 

2)      Caracterização e síntese da análise de conhecimentos dos professores

Os 10 professores têm idades entre 28 e 58 anos. Seis são do sexo masculino e 4 feminino. Um leciona biologia, 1 ciências e 8 lecionam ambas disciplinas. Quatro trabalham em escolas estaduais, 3 em estaduais e municipais, 2 estaduais e privadas, e 1 privada. O tempo de profissão dos docentes variou entre 5 e 20 anos, e a renda per capita de 0,7 a 4,7 salários mínimos.

A maioria dos professores inclui a saúde como conteúdo em sala de aula e leciona sobre as Leishmanioses, mas todos afirmam que nunca passaram por processos de formação abordando a temática e sentem-se inseguros para trabalhar o tema junto aos alunos, pois se consideram pouco preparados para tal. Para 5 docentes o livro didático é portanto o ponto de referência para serem abordadas a LTA e LV com os alunos: “No ensino fundamental a gente lê dentro da sala de aula. No ensino.. na rede pública, os meninos usam mesmo é o livro!” (Andréia, 32 anos). Apesar de apontarem os livros didáticos de ciências e biologia do PNLD e PNLEM como insuficientes para promoverem o conhecimento sobre as enfermidades, descrevem que nas escolas inexistem outros recursos pedagógicos, além desses materiais, para trabalhar o tema com os alunos, e que também não há programas, políticas e parcerias entre as escolas e o setor saúde para fomentar uma educação em saúde contextualizada e atualizada. Para os docentes essas questões dificultam a prática da educação em saúde sobre o tema nas escolas.

Mesmo os livros didáticos de ciências e biologia sendo percebidos como “incompletos” e “insuficientes” em relação à LTA e LV por 7 professores, observa-se a sua confiança nas informações que esses materiais apresentam. Para 6 professores os livros didáticos apresentam conceitos cientificamente corretos, levando-os a adotá-los e segui-los apesar das falhas apontadas na análise anterior.

Os docentes denunciam ainda aspectos importantes como a não correspondência do livro didático escolhido ao de fato recebido nas escolas, a falta de infraestrutura nessas, e de processos de educação permanente.  Sugerem incluir novas tecnologias de informação para o uso junto ao livro didático, alertando sobre o descompasso das inovações do século XXI e o atraso da escola no século XX.

Segundo 5 docentes a LTA e LV são consideradas doenças de pouca importância: 3 citaram-nas como um assunto que ninguém se importa, é esquecido; 2 como algo que não é popular. Para 2 docentes a “Leishmaniose” é uma doença pouco divulgada. Entretanto, de acordo com a fala de 5 professores, a cidade de Divinópolis apresenta várias situações que colocam em risco a expansão das Leishmanioses, mas ressaltaram que não existem políticas públicas direcionadas ao seu enfrentamento no município. A ausência de campanhas e divulgação de informações sobre a LTA e LV na cidade dificulta as práticas preventivas.

 

CONCLUSÃO

As falhas presentes nos livros analisados e os relatos dos professores entrevistados sobre sua prática educativa, em relação às Leishmanioses, compreendem uma problemática que necessita ser revista para a alfabetização científica no contexto escolar. Novas práticas pedagógicas significativas e problematizadoras, associadas ao uso de materiais didáticos e lúdicos, atualizados, interessantes e dinâmicos, envolvendo ações de educação em saúde entre professores e profissionais de saúde, podem desencadear a conscientização e participação da comunidade escolar no enfrentamento das doenças. Para Santos (2007) o conhecimento científico trabalhado nas escolas deve facilitar a leitura do mundo e ajudar na compreensão da realidade, possibilitando intervir favoravelmente sobre os problemas socioambientais, complementamos como no caso as Leishmanioses.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN L. Análise de Conteúdo. Tradução Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa; Edições 70; 2002.

 

BORGES, B.K.A et al. Avaliação do nível de conhecimento e attitudes preventivas da população sobre a leishmaniose visceral em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(4):777-784, abr., 2008.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. A Promoção da saúde no contexto escolar. Informes Técnicos Institucionais. Rev. Saúde Pública, 36(2): 533-535, 2002.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação- SINAN. Relatórios Gerenciais. 2012. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/> Acesso: 10 jun. 2012.

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: saúde. In: Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:MEC/SEF, 1998. p.243-283

 

LUZ, Z. P. et al. The organization of health services and visceral leishmaniasis: an integrated intervention to improve diagnosis and treatment. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(5):1177-1184, mai, 2009.

 

MOREIRA, IC. A inclusão social e a popularização da ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, Brasília, 1(2):11-16, abr.-set, 2006.

 

SANTOS, WLP. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, 12(36): 474-550, set.-dez, 2007.

 

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Temas de Salud – Leishmaniasis. 2012. Disponível em: <http://www.who.int/leishmaniasis/burden/en/ Acesso em: 10 jun. 2012.

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