Blogs de Ciência: discurso interativo e
democratização no campo do jornalismo científico
Por Verônica Soares da Costa
Professora
do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista
em jornalismo científico pela Universidade do Vale do Paraíba (Univap / EAD), Mestre
em Bens Culturais
e Projetos Sociais pelo Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens
Culturais do CPDOC / FGV. veronica@aci.ufop.br
Pretende-se nesta comunicação apontar caminhos para a
democratização da informação científica por meio do fortalecimento da “blogosfera
científica” como plataforma de comunicação em rede. A utilização de blogs de
ciência já vem sendo entendida como um caminho para o futuro da divulgação
científica. No artigo “To blog or not to
blog, not a real choice there...”, publicado em 2008, a jornalista
Elisabetta Tola[1] defendia:
Science blogging is not the future anymore, it
is the present. In the last few years there has been a real explosion of the
number of scientists populating the blogosphere, at any level, from
undergraduate to senior researchers, who have decided to take advantage of this
kind of medium to communicate, informally, their science to other colleagues,
to other scientists in different fields and to the general public (TOLA, 2008).
A declaração da jornalista, ao mesmo tempo em que aponta um novo
caminho na divulgação científica, abre também o debate acerca de novas funções
para o jornalista na divulgação do texto científico, a partir do entendimento
do protagonismo de pesquisadores e cientistas na publicação de textos em seus
próprios espaços de divulgação. As novas plataformas digitais, representadas
por blogs, microblogs ou sites pessoais, colocam os pesquisadores não mais como
fontes de informação oficiais, mas como produtores do conteúdo científico. Nesse
novo jogo de produção de conteúdo, os jornais e as revistas especializadas em
ciência passam a concorrer com espaços nos quais a fonte fala diretamente a seu
público final, sem a intermediação do jornalista e de sua técnica de produção
de notícias e reportagens.
A definição dos blogs pode variar de acordo com a presença da
participação dos leitores por meio de caixas de comentários ou representar,
principalmente, “a presença de textos organizados por ordem cronológica
reversa, datados e atualizados com alguma frequência” (AMARAL, RECUERO,
MONTARDO, 2009:30)[2]. Mark Briggs[3]
(2007:56), por sua vez, descreve as características mais comuns a quase todos
os blogs:
1. Um jornal online frequentemente
atualizado, escrito num estilo de conversa, com entradas apresentadas numa
ordem cronológica inversa [...] 2. Links com outras notícias e informações
encontradas na Web, complementadas com comentários e análises feitas pelo
blogueiro [...] 3. Um link de “comentários” que permite aos leitores colocar
suas próprias ideias a respeito do que o blogueiro está escrevendo.
A evolução da comunicação científica acompanhou mudanças
estruturais da evolução dos meios de comunicação. Do impresso para o rádio e do
rádio para a TV, imagem e som foram agregados como elementos diferenciais nas
narrativas jornalísticas sobre a Ciência, tornando o conteúdo mais atraente e
relevante para o público-alvo. O debate sobre a internet e as revoluções que
trouxe para a comunicação passa por essas mudanças de formato. O conteúdo agora
é produzido não apenas por especialistas no discurso jornalístico, mas por
qualquer pessoa conectada à rede.
Vislumbra-se aqui a blogosfera de Ciência e suas redes de
relacionamento como uma alternativa para os embates travados entre jornalistas
e cientistas no que se refere à divulgação da ciência, ao mesmo tempo em que se
coloca o leitor em um papel importante e ativo na construção do discurso
científico interativo necessário para a democracia.
A divulgação da ciência através das técnicas jornalísticas
passa por um domínio técnico e pelo compartilhamento de interesses na negociação
e distribuição de informações, além de uma preocupação ética com a transmissão
de informações. Assim, “falar sobre Ciência” passa a ser uma responsabilidade
social do jornalista, e não apenas uma tarefa de prestação de contas por parte
dos cientistas e pesquisadores. Cabe ressaltar que, na
cobertura da Ciência, as especificações necessárias para que o relato seja
claro e compreensível vão além da técnica jornalística:
O jornalismo científico requer, no mínimo, além de bom conhecimento de
técnicas de redação, considerável familiaridade com os procedimentos da
pesquisa científica, conhecimentos de história da ciência, de política
científica e tecnológica, atualização constante sobre os avanços da ciência e
contato permanente com as fontes, a chamada comunidade científica (OLIVEIRA,
2007:43-44)[4].
Em busca de novas formas de comunicação, capazes de
extrapolar a comunicação científica tradicional, encontramos na blogosfera um
objeto de análise que simboliza a mudança na estrutura da comunicação na era
digital. Entre outras práticas de divulgação no século XXI, o blog, com sua
estrutura de multitexto, diálogo e colaboração, passa a ser utilizado para
espalhar o debate científico. Estes novo contexto levou a um tipo de reinvenção
do jornalismo, guiado pelo princípio de colaboração entre profissionais e
público e pelo dinamismo.
A força da web verifica-se em um aumento significativo de sua
influência na linguagem e formato das mídias tradicionais, assim como uma
crescente preocupação editorial em estar presente no universo online, através
de portais institucionais ou de mecanismos de comunicação direta com o público,
como blogs e mídias sociais. A democratização do acesso à informação é também
característica importante da web e traz atrelada a si o acesso livre à produção
de conteúdo.
Em artigo publicado em março de
2009 na revista Nature, Geoff
Brumfiel[5]
tece comentários relevantes sobre a gradual eliminação de seções dedicadas à
Ciência em meios de comunicação tradicionais. No ensaio, Brumfiel destaca que
os blogs de ciência, especialmente aqueles escritos por cientistas ou membros
da Academia, crescem consideravelmente e ganham espaço como fonte confiável de
informações sobre fatos científicos, tanto para leigos quanto para jornalistas.
Tendo em vista este quadro, a influência
das novas mídias se torna ainda mais relevante devido ao histórico de
insegurança e desconfiança da parte dos cientistas e pesquisadores para com
jornalistas que escrevem sobre ciência. Para o leitor, eleger um “blog de
ciência” para acompanhamento exige averiguar até que ponto as informações ali
contidas podem ser confiáveis, e quais os critérios que levariam a uma
aceitação dos dados ali encontrados.
Entra em jogo o papel do blogueiro e de
sua credibilidade diante da audiência, que expõe um novo caráter simbólico da
comunicação, incluindo emissor e receptor em uma nova aliança de conhecimentos
e confiança que irá determinar o sucesso ou o fracasso de uma comunicação travada
no espaço da blogosfera. Pensando o campo da divulgação científica, os
blogueiros constituem-se como um núcleo de atores que até recentemente não
participava autonomamente das relações internas, ou pelo menos não com os
papéis que hoje ocupam de divulgadores da ciência.
Invoca-se aqui o conceito de “campo” de
Pierre Bourdieu[6], que se
refere ao “campo de produção como espaço social de relações objetivas”
(BOURDIEU, 2007:65). Os jogos de poder no interior do campo são de alguma forma
transplantados das mídias tradicionais para os blogs, com as diferenças
pertinentes a essa mídia, como a possibilidade de interação e feedback direto
de leitores.
Como afirma Bourdieu, certos atos dos atores
no interior de seus campos “vão para além das suas intenções e dos seus
interesses” (BOURDIEU, 2007:73), pois as atitudes são tomadas a partir de um
histórico de satisfações e insatisfações com a interação no campo que levam o
indivíduo a agir. Os blogs se configuram assim como um fenômeno social mais
relevante conforme aumenta a disponibilidade de informação e conteúdo simbólico
disponível.
Os blogs podem ser uma resposta pertinente
às necessidades da comunidade científica de se comunicar diretamente com o
público, diminuindo os atritos entre jornalistas e cientistas e forçando a
comunidade científica a se adaptar a novas linguagens e novas maneiras de
transmitir informações sobre ciência. O fato de cada vez mais pessoas terem
acesso à internet pode ser uma das respostas para a popularização dessa fonte
de informações.
Os blogueiros de ciência seriam, portanto,
atalhos para a informação oficial, segura e especializada que também pode ser
encontrada em portais dedicados à disseminação científica e nas páginas oficias
das publicações científicas. A blogosfera se firma, assim, como uma verdadeira rede de relações, na qual indivíduos
com interesses em comum linkam, cortam, reformulam, apropriando-se de um
conteúdo científico a fim de colaborar para sua divulgação.
Com esta estrutura, a blogosfera
é vista então como um espaço livre e fluído de acúmulo de informações, em uma
grande comunidade troca de conhecimentos. Questionar a fluidez da informação, a
descontextualização e a incorreção de informações é papel de leitores e
blogueiros, especialmente daqueles mais influentes. Há espaço para novos
estudos sobre o poder simbólico conferido a blogueiros e sobre a criação do
discurso científico democrático, aberto a leituras múltiplas e infinitas
possibilidades de compreensão. Essa leitura em potencial só se concretiza
diante do ato real de criação do hipertexto.
O futuro da comunicação científica pode estar na
democratização da produção de conteúdo sobre Ciência, que tira esta temática de
um patamar limitado e produzido apenas por especialistas e leva o debate para
todos que estejam dispostos a colaborar com o tema. Conteúdo colaborativo e
interação seriam, assim, os aspectos centrais da divulgação científica na era
da web 2.0, aspectos estes que tendem a se tornar cada vez mais relevantes com
o passar dos anos e o desenvolvimento de novas e inovadoras tecnologias.
[1] TOLA, Elisabetta. To blog or not
to blog, not a real choice there... Journal of Science Communication 7,
2008. Disponível
em: http://jcom.sissa.it/archive/07/02/Jcom0702(2008)C01/Jcom0702(2008)C06/Jcom0702(2008)C06.pdf.
Acesso em 21/06/2012.
[2] AMARAL, Adriana, RECUERO,
Raquel, MONTARDO, Sandra. Blogs.com: Estudos
sobre blogs e comunicação. 2009. Disponível em <http://www.sobreblogs.com.br/>.
Acesso em 20 jun. 2012.
[3] BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0.: Um guia de cultura
digital na era da informação. Knight Center for Journalism in Americas, 2007.
Disponível em: <http://knightcenter.utexas.edu/Jornalismo_20.pdf>.
Acesso em 20 nov. 2012.
[5] BRUMFIEL, Geoff. Science journalism: Supplanting the old
media? 2009. Disponível em: <http://www.nature.com/news/2009/090318/full/458274a.html>.
Acesso em: 20 jun. 2012.
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