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O "Colóquio Internacional: Tendências contemporâneas da comunicação científica: desafios e perspectivas" foi promovido pela Diretoria de Divulgação Científica, orgão da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram debatidos os principais desafios da comunicação científica contemporânea tanto em ambientes corporativos quanto em redes entre países da América do Sul.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Blogs de Ciência: discurso interativo e democratização no campo do jornalismo científico


 

Blogs de Ciência: discurso interativo e democratização no campo do jornalismo científico

Por Verônica Soares da Costa

 

Professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em jornalismo científico pela Universidade do Vale do Paraíba (Univap / EAD), Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pelo Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais do CPDOC / FGV. veronica@aci.ufop.br

 

Pretende-se nesta comunicação apontar caminhos para a democratização da informação científica por meio do fortalecimento da “blogosfera científica” como plataforma de comunicação em rede. A utilização de blogs de ciência já vem sendo entendida como um caminho para o futuro da divulgação científica. No artigo “To blog or not to blog, not a real choice there...”, publicado em 2008, a jornalista Elisabetta Tola[1] defendia:

 

Science blogging is not the future anymore, it is the present. In the last few years there has been a real explosion of the number of scientists populating the blogosphere, at any level, from undergraduate to senior researchers, who have decided to take advantage of this kind of medium to communicate, informally, their science to other colleagues, to other scientists in different fields and to the general public (TOLA, 2008).

 

A declaração da jornalista, ao mesmo tempo em que aponta um novo caminho na divulgação científica, abre também o debate acerca de novas funções para o jornalista na divulgação do texto científico, a partir do entendimento do protagonismo de pesquisadores e cientistas na publicação de textos em seus próprios espaços de divulgação. As novas plataformas digitais, representadas por blogs, microblogs ou sites pessoais, colocam os pesquisadores não mais como fontes de informação oficiais, mas como produtores do conteúdo científico. Nesse novo jogo de produção de conteúdo, os jornais e as revistas especializadas em ciência passam a concorrer com espaços nos quais a fonte fala diretamente a seu público final, sem a intermediação do jornalista e de sua técnica de produção de notícias e reportagens.

A definição dos blogs pode variar de acordo com a presença da participação dos leitores por meio de caixas de comentários ou representar, principalmente, “a presença de textos organizados por ordem cronológica reversa, datados e atualizados com alguma frequência” (AMARAL, RECUERO, MONTARDO, 2009:30)[2]. Mark Briggs[3] (2007:56), por sua vez, descreve as características mais comuns a quase todos os blogs:

 

1. Um jornal online frequentemente atualizado, escrito num estilo de conversa, com entradas apresentadas numa ordem cronológica inversa [...] 2. Links com outras notícias e informações encontradas na Web, complementadas com comentários e análises feitas pelo blogueiro [...] 3. Um link de “comentários” que permite aos leitores colocar suas próprias ideias a respeito do que o blogueiro está escrevendo.

 

A evolução da comunicação científica acompanhou mudanças estruturais da evolução dos meios de comunicação. Do impresso para o rádio e do rádio para a TV, imagem e som foram agregados como elementos diferenciais nas narrativas jornalísticas sobre a Ciência, tornando o conteúdo mais atraente e relevante para o público-alvo. O debate sobre a internet e as revoluções que trouxe para a comunicação passa por essas mudanças de formato. O conteúdo agora é produzido não apenas por especialistas no discurso jornalístico, mas por qualquer pessoa conectada à rede.

Vislumbra-se aqui a blogosfera de Ciência e suas redes de relacionamento como uma alternativa para os embates travados entre jornalistas e cientistas no que se refere à divulgação da ciência, ao mesmo tempo em que se coloca o leitor em um papel importante e ativo na construção do discurso científico interativo necessário para a democracia.

A divulgação da ciência através das técnicas jornalísticas passa por um domínio técnico e pelo compartilhamento de interesses na negociação e distribuição de informações, além de uma preocupação ética com a transmissão de informações. Assim, “falar sobre Ciência” passa a ser uma responsabilidade social do jornalista, e não apenas uma tarefa de prestação de contas por parte dos cientistas e pesquisadores. Cabe ressaltar que, na cobertura da Ciência, as especificações necessárias para que o relato seja claro e compreensível vão além da técnica jornalística:

 

O jornalismo científico requer, no mínimo, além de bom conhecimento de técnicas de redação, considerável familiaridade com os procedimentos da pesquisa científica, conhecimentos de história da ciência, de política científica e tecnológica, atualização constante sobre os avanços da ciência e contato permanente com as fontes, a chamada comunidade científica (OLIVEIRA, 2007:43-44)[4].

 

Em busca de novas formas de comunicação, capazes de extrapolar a comunicação científica tradicional, encontramos na blogosfera um objeto de análise que simboliza a mudança na estrutura da comunicação na era digital. Entre outras práticas de divulgação no século XXI, o blog, com sua estrutura de multitexto, diálogo e colaboração, passa a ser utilizado para espalhar o debate científico. Estes novo contexto levou a um tipo de reinvenção do jornalismo, guiado pelo princípio de colaboração entre profissionais e público e pelo dinamismo.

A força da web verifica-se em um aumento significativo de sua influência na linguagem e formato das mídias tradicionais, assim como uma crescente preocupação editorial em estar presente no universo online, através de portais institucionais ou de mecanismos de comunicação direta com o público, como blogs e mídias sociais. A democratização do acesso à informação é também característica importante da web e traz atrelada a si o acesso livre à produção de conteúdo.

Em artigo publicado em março de 2009 na revista Nature, Geoff Brumfiel[5] tece comentários relevantes sobre a gradual eliminação de seções dedicadas à Ciência em meios de comunicação tradicionais. No ensaio, Brumfiel destaca que os blogs de ciência, especialmente aqueles escritos por cientistas ou membros da Academia, crescem consideravelmente e ganham espaço como fonte confiável de informações sobre fatos científicos, tanto para leigos quanto para jornalistas.

Tendo em vista este quadro, a influência das novas mídias se torna ainda mais relevante devido ao histórico de insegurança e desconfiança da parte dos cientistas e pesquisadores para com jornalistas que escrevem sobre ciência. Para o leitor, eleger um “blog de ciência” para acompanhamento exige averiguar até que ponto as informações ali contidas podem ser confiáveis, e quais os critérios que levariam a uma aceitação dos dados ali encontrados.

Entra em jogo o papel do blogueiro e de sua credibilidade diante da audiência, que expõe um novo caráter simbólico da comunicação, incluindo emissor e receptor em uma nova aliança de conhecimentos e confiança que irá determinar o sucesso ou o fracasso de uma comunicação travada no espaço da blogosfera. Pensando o campo da divulgação científica, os blogueiros constituem-se como um núcleo de atores que até recentemente não participava autonomamente das relações internas, ou pelo menos não com os papéis que hoje ocupam de divulgadores da ciência.

Invoca-se aqui o conceito de “campo” de Pierre Bourdieu[6], que se refere ao “campo de produção como espaço social de relações objetivas” (BOURDIEU, 2007:65). Os jogos de poder no interior do campo são de alguma forma transplantados das mídias tradicionais para os blogs, com as diferenças pertinentes a essa mídia, como a possibilidade de interação e feedback direto de leitores.

Como afirma Bourdieu, certos atos dos atores no interior de seus campos “vão para além das suas intenções e dos seus interesses” (BOURDIEU, 2007:73), pois as atitudes são tomadas a partir de um histórico de satisfações e insatisfações com a interação no campo que levam o indivíduo a agir. Os blogs se configuram assim como um fenômeno social mais relevante conforme aumenta a disponibilidade de informação e conteúdo simbólico disponível.

Os blogs podem ser uma resposta pertinente às necessidades da comunidade científica de se comunicar diretamente com o público, diminuindo os atritos entre jornalistas e cientistas e forçando a comunidade científica a se adaptar a novas linguagens e novas maneiras de transmitir informações sobre ciência. O fato de cada vez mais pessoas terem acesso à internet pode ser uma das respostas para a popularização dessa fonte de informações.

Os blogueiros de ciência seriam, portanto, atalhos para a informação oficial, segura e especializada que também pode ser encontrada em portais dedicados à disseminação científica e nas páginas oficias das publicações científicas. A blogosfera se firma, assim, como uma verdadeira rede de relações, na qual indivíduos com interesses em comum linkam, cortam, reformulam, apropriando-se de um conteúdo científico a fim de colaborar para sua divulgação.

Com esta estrutura, a blogosfera é vista então como um espaço livre e fluído de acúmulo de informações, em uma grande comunidade troca de conhecimentos. Questionar a fluidez da informação, a descontextualização e a incorreção de informações é papel de leitores e blogueiros, especialmente daqueles mais influentes. Há espaço para novos estudos sobre o poder simbólico conferido a blogueiros e sobre a criação do discurso científico democrático, aberto a leituras múltiplas e infinitas possibilidades de compreensão. Essa leitura em potencial só se concretiza diante do ato real de criação do hipertexto.

O futuro da comunicação científica pode estar na democratização da produção de conteúdo sobre Ciência, que tira esta temática de um patamar limitado e produzido apenas por especialistas e leva o debate para todos que estejam dispostos a colaborar com o tema. Conteúdo colaborativo e interação seriam, assim, os aspectos centrais da divulgação científica na era da web 2.0, aspectos estes que tendem a se tornar cada vez mais relevantes com o passar dos anos e o desenvolvimento de novas e inovadoras tecnologias.

 

 

 

 

 



[1] TOLA, Elisabetta. To blog or not to blog, not a real choice there... Journal of Science Communication 7, 2008. Disponível em: http://jcom.sissa.it/archive/07/02/Jcom0702(2008)C01/Jcom0702(2008)C06/Jcom0702(2008)C06.pdf. Acesso em 21/06/2012.
[2] AMARAL, Adriana, RECUERO, Raquel, MONTARDO, Sandra. Blogs.com: Estudos sobre blogs e comunicação. 2009. Disponível em <http://www.sobreblogs.com.br/>. Acesso em 20 jun. 2012.
[3] BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0.: Um guia de cultura digital na era da informação. Knight Center for Journalism in Americas, 2007. Disponível em: <http://knightcenter.utexas.edu/Jornalismo_20.pdf>. Acesso em 20 nov. 2012.
[4] OLIVEIRA, Fabíola. Jornalismo Científico. São Paulo: Editora Contexto, 2007.
[5] BRUMFIEL, Geoff. Science journalism: Supplanting the old media? 2009. Disponível em: <http://www.nature.com/news/2009/090318/full/458274a.html>. Acesso em: 20 jun. 2012.
[6] BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2007.

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