SOBRE
A HISTÓRIA E O CONCEITO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
MARTINS, Suelen[1]
COURA-SOBRINHO, Jerônimo[2]
BOTELHO, Juliana Santos[3]
INTRODUÇÃO
E OBJETIVOS
A divulgação da ciência é um processo pelo qual informações e conceitos
científicos e/ou tecnológicos, antes restritos à comunidade científica, são repassados
para o público geral. Com o avanço da Modernidade, a divulgação vem ganhando
espaço em diversas mídias, como rádio, televisão, jornais e internet, fazendo com
que os públicos sejam cada vez mais confrontados com os resultados apresentados
das pesquisas científicas.
Com isso, o estudo sobre a divulgação científica tem envolvido campos do
saber como a Ciência da Informação, a Comunicação Social, ou a Análise do
Discurso. Nosso objetivo é traçar, a
partir das contribuições de trabalhos publicados sobre divulgação científica,
um breve panorama da história do gênero no Brasil e no mundo, pontuando
distinções conceituais que os distintos campos adotam em termos de divulgação,
difusão e comunicação científica.
Nosso pressuposto é o de que, por trás de cada definição conceitual,
subsiste uma série de expectativas normativas mais ou menos explicitamente
assumidas daquilo que deve e pode ser considerado, do ponto de vista empírico,
como uma matéria jornalística de “divulgação científica”.
METODOLOGIA: Revisão de literatura.
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
Muito
ainda se pergunta: o que vem a ser a divulgação científica?
Em
seu artigo Dialogismo e divulgação
científica, Authier-Revuz (1999) concebe a divulgação científica enquanto “gênero”
próprio, isto é, enquanto forma particular das práticas de reformulação e como
resultado dos discursos científico e pedagógico.Em seus estudos, a autora
francesa, baseia-se na categoria de heterogeneidade constitutiva ou mostrada e
marcada para pensar as particularidades do gênero da divulgação científica,
cunhada a partir das noções de dialogismo de Bakhtin e dos pressupostos
teóricos de Lacan.
No campo da Comunicação Social, Zamboni (2001)
contesta parcialmente os pressupostos teóricos de Authier-Revuz (1999),
particularmente no tocante ao fato de o discurso de divulgação científica constituir,
para esta última, uma prática de reformulação discursiva.
Partindo também dos pressupostos teóricos de Bakhtin sobre dialogismo e gênero,
Zamboni concebe a divulgação científica como um discurso autônomo e próprio no
conjunto dos demais discursos das diferentes áreas de funcionamento da
linguagem. Para Zamboni, a “divulgação científica” constitui um discurso
próprio, dentre vários fatores, por centrar-se nos temas “ciência e tecnologia”
e por tentar deslocar esses assuntos do seu campo de destinação precípuo para
difundi-los aos estratos mais leigos da sociedade. No âmbito da reflexão de
Zamboni, a divulgação científica não é tratada como uma prática aproximativa,
como nos estudos de Authier-Revuz (1999).
Também
no campo da Comunicação Social, Silva (2006) afirma que a divulgação científica
compreende um conjunto grande de textualizações do conhecimento científico, resultantes
de uma multiplicidade complexa de relações interlocutivas, como as reportagens da
revista Veja, os textos das revistas Ciência Hoje e Superinteressante ou o testemunho de um cientista. O autor avança
em sua discussão para afirmar que a associação entre divulgação e disseminação
científica serve para atualizar o imaginário de que a divulgação científica é
uma atividade unidirecional, produto da interlocução exclusiva entre cientista
(ou jornalista) e o não-especialista. Ainda de acordo com Silva (2006, p. 58),
“esta reformulação não dá conta de que a divulgação também está envolvida na
interlocução cientista-cientista”.
Ainda
no campo da Comunicação Social, o discurso de divulgação científica pode ser
entendido também como fusão de dois discursos, o científico e o jornalístico,
constituindo assim um gênero multidisciplinar ou multifacetado. Maria das
Graças Targino (2007) parte dessa intersecção para conceber que o jornalismo
como atividade profissional de natureza social, que se destina a elaborar e
divulgar notícias em suportes variados - impressos, televisivos, radiofônicos e
virtuais - não podendo evidentemente ficar à margem da divulgação da ciência.
Diferentemente do que afirma Authier-Revuz, Targino (2007) aposta em uma
autonomia do discurso divulgativo por acreditar que este possui características
bem distintas dos demais discursos resultantes de reformulação discursiva.
Já
Cataldi (2007) tem como proposta considerar, no âmbito da Análise do Discurso, a prática de
Divulgação Científica como recontextualização do saber científico. Cataldi
coloca em destaque a ciência como notícia e considera o texto jornalístico como
relevante para fazer o público entender as implicações do conhecimento
científico na vida cotidiana. A autora também discute como a prática de fazer
textos de divulgação científica é específica e lida com informações e conceitos
técnicos especializados, que devem ser trabalhados de tal forma a tornar
públicas as descobertas da área de ciência e tecnologia para o leigo nesses
assuntos.
Finalmente,
Valerio e Pinheiro (2008), pesquisadoras na área de Ciência da Informação,
possuem um olhar diferente da divulgação científica e vêem na internet um ponto-chave
para a aproximação entre a comunicação e a divulgação científica. As autoras
partem da argumentação de que as informações científicas disponibilizadas
eletronicamente podem vir a desempenhar novo papel. As estudiosas supõem haver
uma aproximação, ou mesmo uma convergência de públicos, acadêmico e não
acadêmico, em relação à literatura científica publicada eletronicamente, o que
gera uma nova audiência para a ciência.
CONCLUSÕES
De
maneira bastante esquemática, podemos concluir que existe um grande debate
sobre a especificidade da divulgação científica enquanto prática discursiva
distinta de outras próprias da ciência e/ou do jornalismo. Não existe, contudo,
consenso nem mesmo dentro dos estudos de uma mesma matriz teórica. Dentro do
campo da análise do discurso, por exemplo, Authier-Revuz vê na divulgação
científica um segundo discurso resultante dos discursos científicos e
pedagógicos, já Cataldi defende que a divulgação científica mobiliza um saber
jornalístico especializado. No campo da Comunicação Social, por sua vez,
Zamboni ressalta a autonomia da divulgação científica em relação ao saber
científico, visto que os temas são deslocados de sua destinação precípua,
enquanto Targino aposta na divulgação científica enquanto fusão dos discursos
científico e jornalístico.
O
que é importante ressaltar, contudo, é que esses diversos autores, de maneira
mais ou menos explícita, lançam mão de modelos normativos sobre os discursos
científico, jornalístico e leigo. Cada qual coloca sua ênfase em um dos polos
da relação – cientista, leigo, jornalista – redesenhando fronteiras entre
diversas práticas discursivas e entendimentos específicos de como esta relação
acontece, de fato, no mundo real.
Isto
posto, nosso trabalho é composto de duas partes. Na primeira, examinamos cada
uma das proposições teóricas sobre a divulgação, elucidando os modelos discursivos
nos quais elas se apoiam. Em um segundo momento, discutimos como as reflexões
mais recentes sobre espaço público e o campo dos meios de comunicação podem
auxiliar em um entendimento renovado da divulgação científica, principalmente
no que refere a experiências deliberativas públicas de longo prazo.
REFERÊNCIAS
AUTHIER- REVUZ,
Jacqueline. Dialogismo e divulgação científica.
Revista Rua, Campinas, n.5, p.
9-15, mar. 1999.
BOHMAN, James. O que é deliberação pública? Uma
abordagem dialógica. In: MARQUES,
Angela. A deliberação pública e suas
dimensões sociais, políticas e comunicativas. Belo Horizonte. Editora
Autêntica, 2009, pp. 58-84.
CATALDI, Cristiane. A
divulgação da ciência na mídia impressa: um enfoque discursivo. In.: GOMES,
Maria Carmen Aires et al (org.). Gênero
discursivo, mídia e identidade. Viçosa: Ed. UFV, 2007, p. 155-164.
CHAMBERS, Simone. A
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Angela. A deliberação pública e suas dimensões sociais,políticas e comunicativas.
Belo Horizonte. Editora
Autêntica, 2009. PP:239-267.
MOREIRA, Ildeu de
Castro; MASSARANI, Luisa. Aspectos históricos da divulgação científica no
Brasil. In.: MASSARANI, Luisa et al (org.). Ciência
e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro:
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Federal do Rio de Janeiro. Fórum de Ciência e Cultura, 2002, p. 65-73.
OLIVEIRA, Fabíola de. Jornalismo científico. 3. ed. São Paulo:
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SILVA, Henrique César.
O que é divulgação científica?. Ciência
& Ensino, v. 1, p. 53-59, 2006.
TARGINO, Maria da
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VALERIO, Palmira Maria
Caminha Moriconi; PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro. Da comunicação científica à
divulgação. Transinformação, v. 20,
p. 159-169, 2008.
[1] Mestranda em Estudo de
Linguagens (CEFET-MG). Especialista em Língua Portuguesa
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Graduada em Letras- Português /Inglês
pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). E-mail:
suelen-martins@ibest.com.br.
[2] Doutor em Estudos Linguísticos
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Departamento de Linguagem e
Tecnologia do CEFET-MG. E-mail: jeronimocoura@gmail.com.
[3] Pós–doutora e Mestre em
Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em
Comunicação pela Université du Québec à Montréal (UQAM). Professora do Centro
Universitário de Sete Lagoas (UNIFEMM). E-mail: julianasbotelho@hotmail.com.
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