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O "Colóquio Internacional: Tendências contemporâneas da comunicação científica: desafios e perspectivas" foi promovido pela Diretoria de Divulgação Científica, orgão da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram debatidos os principais desafios da comunicação científica contemporânea tanto em ambientes corporativos quanto em redes entre países da América do Sul.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Patrimônio Cultural: o Discurso da Mídia e a Fala do Sujeito


Fabiana De Lucca MunaierBacharel em Comunicação Social e mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) E-mail: fabianamunaier@gmail.com

 

Resumo: A reflexão desse texto é parte de uma pesquisa para dissertação que está sendo desenvolvida e centrada na questão da percepção dos moradores de cidades históricas com o patrimônio edificado e a divulgação de informações sobre o mesmo. Através da cobertura pela imprensa local do projeto de Revitalização do Largo Nossa Senhora do Ó em Sabará, será avaliado o discurso desse acontecimento pela mídia e pelos sujeitos. São duas perspectivas distintas que podem apontar características reveladoras.

 

Palavras-chave: Discurso. Mídia. Patrimônio Cultural. Sujeito

 

Introdução

O patrimônio constitui registro de cultura, expressão artística e história. A cooperação para preservação do estado da arte e memória levando em conta as transformações e acontecimentos atuais buscando um novo fazer, além de conhecimento da realidade concreta significa que contribuições no sentido de enriquecer o instrumental teórico ou metodológico disponível ou descobrir aspectos previamente ocultos são reconhecidas como item fundamental. O olhar voltado ao Patrimônio Cultural nesse trabalho adota a perspectiva de que as edificações históricas passam por mudanças decorrentes das alterações dos contextos culturais e ambientais, nos quais os indivíduos estão inseridos.

A comunicação por sua vez é um processo que envolve o intercâmbio de informações para além de uma extensão ou decorrência natural do conjunto de meios. Ela afeta o que as pessoas pensam sobre si mesmas e como elas percebem as outras. Para Quéré “o papel dos média é sem dúvida, decisivo enquanto suportes, por um lado, da identificação e da exploração dos acontecimentos, por outro, do debate público através do qual as soluções são elaboradas ou experimentadas” (QUÉRÉ, 2005, p. 72-73). Assim como a sociedade, a mídia é composta por discursos sobre fenômenos, acontecimentos e transformações que em confronto com a realidade podem ou não ser incorporados às dinâmicas e de diferentes formas.

Imprescindível ressaltar que o trabalho se constrói na tentativa de aproximar do âmbito da pesquisa o caráter interdisciplinar. Enquanto alternativa inovadora, Mangine (2009, p. 208) o descreve como “desdobramentos de uma cultura decorrente da formação, consolidação e expansão da ciência moderna” e Morin (2003, p. 116) questiona "Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas?”.  Não se pretende perder de vista a disciplinaridade, mas sim vislumbrar a possibilidade de um diálogo que aproxime saberes provenientes de diferentes campos do conhecimento, em uma fala audível aos diversos interlocutores que tratam do tema.

Explorar discursos sobre o mesmo acontecimento a partir de ângulos diferentes suscita alguns questionamentos: Qual a fala do sujeito e qual o discurso da mídia? Existe um movimento de mútua reflexão? Ele faz com que os elementos se aproximem ou distanciem? Tentar articular o processo de compreensão em uma atitude permanente de troca, crítica e reflexão é a proposta empregada nesta pesquisa que envolve Patrimônio Cultural e Comunicação Social.

Vozes diversas

São várias as expectativas de um discurso onde cada interlocutor tem sua percepção e seus interesses. Para apreender com mais clareza como uma temática semelhante pode ser tratada de maneiras distintas em função desses elementos, a sugestão foi selecionar um acontecimento e observar como ele é comunicado e interpretado por diferentes participantes.

 

O projeto de Revitalização do Largo Nossa Senhora do Ó em Sabará tem duração prevista para um ano e é executado pelo Instituto Yara Tupinambá. Com apoio da prefeitura e governo do estado, as obras iniciaram em primeiro de Junho de 2012 e consistem em ações para recuperação da fachada do casario no entorno da igreja. As questões burocráticas tiveram início a mais tempo e durante esse período, os moradores foram convidados pelos órgãos envolvidos a participar de reuniões, nas quais houve a apresentação e apreciação do projeto pela comunidade. 

 

Tratando de uma das maiores riquezas que compõe o patrimônio histórico e cultural da cidade de Sabará, o projeto recebe destaque da mídia local, que registra os episódios que considera relevante. Mas será que os moradores do Largo do Ó compartilham da mesma visão? Pensando em observar os componentes do citado acontecimento e suas respectivas falas, a metodologia utilizada foi adequada à especificidade de cada um. Após levantamento e seleção dos materiais pertinentes, o discurso da mídia será avaliado a partir das publicações do jornal de maior circulação produzido pela imprensa local. Já os indivíduos serão analisados através do contato rotineiro da pesquisa de campo baseada em entrevistas não estruturadas e observação assistemática.

 

Escolhido por ser o jornal de maior tiragem e distribuição produzido na cidade, a Folha de Sabará publicou três matérias referentes ao projeto de Revitalização do Largo do Ó. A primeira em 22 de dezembro de 2011, a segunda em 16 de março de 2012 e a última em 08 de junho de 2012. Todas as edições fazem um breve apanhado do projeto, mencionam representantes dos órgãos envolvidos e suas manifestações pessoais, citam o valor e a procedência da verba, a importância do local (no último parágrafo com texto praticamente idêntico nos três exemplares) e frisam o envolvimento dos moradores apesar destes não apresentarem opinião. A conotação em torno do acontecimento é favorável e utiliza de tom positivo e otimista, construído através da fala de autoridades.

 

Nas pesquisas de campo já efetuadas, os moradores do Largo do Ó apresentaram em suas narrativas algumas divergências. Apesar da aceitação de um modo geral, acreditam que ainda existem falha e superficialidade no projeto. Um morador e proprietário de comércio local diz que “a revitalização é para embaçar a vista do povo”, pois está havendo pressa e economia nas obras. Mas há também um sentimento geral de amor e identificação com o lugar, e mesmo quando as pessoas não sabem mais sobre o assunto, manifestam apoio a qualquer atividade que possa trazer benefícios. A característica marcante da comunidade é a atenção e boa vontade com visitantes e turistas.

 

Correia coloca que para o filósofo Schütz, os problemas não podem ser compreendidos sem uma abordagem de ação, comunicação, intersubjetividade, significado objetivo, estudo e análise das relações entre a interpretação do mundo da vida por parte dos que nele vivem e agem e a interpretação do mesmo mundo pelo cientista social (CORREIA, 2005, p.14). Portanto, com base nessa afirmativa, acredito ainda serem necessários outros contatos com a rotina e diálogos com os atores locais para exploração mais profunda do tema.

De acordo com José Reginaldo Santos (1996) o “patrimônio cultural” no Brasil é uma modalidade discursiva de “narrativas nacionais” com o propósito de construir memória e identidade. Em consequência afetam o modo como as categorias sociais sentem-se parte da totalidade, podendo vir a ser construídas discursivamente enquanto uma política cultural, visando à recuperação, defesa e preservação (GONÇALVES, p.11-12). Enfim, a crítica concreta deve estar baseada em dados mais sólidos e as observações até aqui ponderadas são apenas o reflexo do começo de um processo que ainda tem muitos dados a coletar e avaliar para futura demonstração mais próxima da realidade.

 

Considerações Finais

A narrativa de um acontecimento pode variar nos objetivos e formas que vão de acordo com as especificidades da época, local e seu respectivo contexto cultural. O modo de agir, assim como os valores que se atribuem ao patrimônio muda. Nesse sentido, os discursos não são genéricos, mas sim pontos de vista de uma realidade histórica baseados em experiências e conformações individuais.

O Largo do Ó se constitui como produção de sentidos consequentes da formação entre sujeitos e ambiente construído a partir da interação entre os mesmos. O patrimônio cumpre um papel além da beleza histórica e estética das técnicas de arquitetura. Verificar a conformação do discurso patrimonial pela mídia e sujeitos envolvidos poderá servir como ponto de partida para reflexões no sentido de aprimorar a conexão dos processos em questão. Mídia, sujeitos e patrimônio são agentes em constante diálogo e mutação.

Referências

CORREIA, J. C. A teoria da comunicação de Alfred Schutz. Lisboa: Livros Horizonte, 2005.

GONÇALVES, J. R. S. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio d Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996.

MANGINI, F. N. R., MIOTO, R. C. T. A interdisciplinaridade na sua interface com o mundo do trabalho. UFSC: 2009.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

QUÉRÉ, L. Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento. Trajectos. Revista de Comunicação, Cultura e Educação, Lisboa, n. 6, p. 59-75, 2005.

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