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O "Colóquio Internacional: Tendências contemporâneas da comunicação científica: desafios e perspectivas" foi promovido pela Diretoria de Divulgação Científica, orgão da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram debatidos os principais desafios da comunicação científica contemporânea tanto em ambientes corporativos quanto em redes entre países da América do Sul.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O PAPEL DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESTILOS DE PENSAMENTO – ESTUDO DE CASO DO JORNAL/REVISTA MANUELZÃO

 
O PAPEL DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESTILOS DE PENSAMENTO – ESTUDO DE CASO DO JORNAL/REVISTA MANUELZÃO


Márcia Maria Martins Parreiras. Mestre em História. Coordenadora da Câmara Técnica de Educação, Comunicação e Mobilização do Conselho de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. marciaparreiras@yahoo.com.br

 

Daniela Campolina Vieira. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Subprojeto Manuelzão Comunidade / Projeto Manuelzão. danicampolina@gmail.com

 

Francisco Ângelo Coutinho. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Educação. fac01@terra.com.br

 

 

A presente investigação insere-se nas temáticas de História da Ciência, Divulgação Científica e Meio Ambiente. O objetivo geral do trabalho é o de, apoiando-se no conceito de estilo de pensamento, oriundo da espistemologia de Fleck (1986), compreender as contribuições da principal publicação do Projeto Manuelzão: o Jornal/Revista Manuelzão, na constituição de um novo estilo de pensamento fundamentado na inter-relação saúde, meio ambiente e cidadania. Em outras palavras, pretende-se compreender a contribuição do Jornal/Revista Manuelzão para a construção de uma nova mentalidade civilizatória, em detrimento da lógica higienista/antropocêntrica, proposta por Meynne, em 1865, e inserida no Brasil por Oswaldo Cruz, a qual permaneceu, segundo Polignano (2006) sem questionamentos mais consistentes no país até fins do século XX; período em que se tornam mais incisivas as críticas ao modelo então vigente.

Assim, pretende-se responder às seguintes questões específicas: o Jornal/Revista Manuelzão tem se constituído em efetivo instrumento para o processo de mudança da forma de se conceber, perceber, a questão da relação saúde, meio ambiente e cidadania? Em caso afirmativo, de que maneira, isto é, quais mecanismos tem utilizado? Qual público o jornal tem atingido? De que modo este público tem sido impactado? Há indícios da adoção de uma nova percepção, de uma transição entre ambas ou de manutenção da anterior?

Para tal estudo optou-se por utilizar como referencial teórico de análise o conceito fleckiano de estilo de pensamento, além de uma perspectiva de divulgação científica convergente com a proposta por Melo, 1982. Tais abordagens, sobre a perspectiva de Fleck e sobre o conceito de divulgação aqui assumidos, são apresentadas e justificadas a seguir.

Ludwik Fleck (1896-1960), médico e filósofo polonês, foi um autor cuja relevância das proposições teóricas paulatinamente assumiram papel importante nas discussões de distintas áreas do conhecimento. A singularidade e relevância de seu pensamento podem ser percebidas pelos autores que influenciou, dentre eles Thomas Kuhn e Bruno Latour.

Um dos pilares da teoria fleckiana é o conceito de estilo de pensamento. Dentre as definições apresentadas pelo autor, consideramos como bastante esclarecedora a seguinte: “Temos definido o estilo de pensamento como a disposição para o perceber orientado e para a elaboração correspondente do percebido.” (FLECK, 1986a:191, in PARREIRAS, 2006:47).  

Em outras palavras, isso significa dizer que o estilo de pensamento implica em um “perceber direcionado”, ou, nas palavras de MOULIN (1986), com a expressão estilo de pensamento Fleck “(...) pretende apontar algo que se parece com uma visão de mundo dentro de um campo.”. (MOULIN, 1986:407, in PARREIRAS, 2006:48).  

Além de direcionar o modo de ver e agir dos indivíduos, isto é, referir-se à visão de mundo dentro de um campo, o estilo de pensamento possui uma segunda característica muito importante: ele não é algo fixo. Portanto, o estilo de pensamento está susceptível a transformações temporais. Isso ocorre, segundo Fleck, quando a chamada harmonia das ilusões do sistema de opiniões é abalada.

No caso específico desta investigação, pretende-se justamente compreender de que maneira o Jornal/Revista Manuelzão tem contribuído para a transformação do estilo de pensamento higienista/antropocêntrico para um novo, qual seja, focado na interdependência entre saúde, meio ambiente e cidadania, isto é, uma concepção sistêmica/ecológica. Dizendo de outro modo, pretende-se verificar como o principal veículo de comunicação do Projeto Manuelzão tem comprometido o sistema de opiniões até então prevalecente, e contribuído para a construção de um novo, fundamentado em um distinto estilo de pensamento.

Especificamente, quanto ao conceito de divulgação científica assumido neste trabalho, é importante dizer da discussão apresentada por Nascimento (2008) sobre a real e necessária polissemia do termo. Ela relata que vários autores, tais como Glória Kreinz (2006) têm defendido a importância dessa polissemia, já que a adoção de uma única definição para conceito de divulgação científica levaria ao risco de se empobrecer o termo, limitando suas diversas possibilidades e manifestações. O fundamental, neste caso, é que cada investigador tenha claro sua própria perspectiva, a fim de tratar adequadamente seus objetos de análise.

Diante do exposto, para fins deste trabalho, assumimos como conceito de divulgação científica, o apresentado por José M. de Melo (1982), um dos principais jornalistas científicos brasileiros. Em sua perspectiva, Melo destaca o papel educativo da divulgação científica como fonte de conhecimentos para a superação de situações problema do cotidiano de toda a população. Em convergência com Melo, Graça Caldas (2003), diretora acadêmica da Associação Brasileira de Jornalistas Científicos (ABJC), ressalta o papel educativo dos textos de divulgação científica, mencionado por Melo, atribuindo a ele um significado ainda maior, que seria o compromisso com a construção da cidadania da população em geral.

Segundo análise de Nascimento (2008) os próprios cientistas que se ocupam da tarefa de divulgação científica “aproximam a ciência e divulgação científica dentro de uma compreensão segundo a qual o acesso ao conhecimento científico – feito por meio da segunda – permitira às pessoas uma emancipação individual e racional, proporcionando a capacidade de decisão sobre sua própria vida”. (NASCIMENTO, op. cit., p.58).

                Em termos gerais, é possível identificar sem maiores dificuldades o Jornal/Revista Manuelzão como sendo um instrumento com as características apontadas por Melo, Caldas e Nascimento. Tais elementos, quais sejam, o de permitir uma emancipação individual e racional, constituir-se em veículo de conhecimento para superação de situações problemas do cotidiano da população e de assumir um compromisso com a construção da cidadania é que o tornam, no contexto deste trabalho, objeto peculiar para análise como elemento importante no processo de construção de um novo estilo de pensamento, caminhando de concepções higienista/antropocêntrica para uma sistêmica/ecológica.

O Jornal/Revista Manuelzão surgiu imediatamente após a criação do Projeto Manuelzão, em 1997, quando seus coordenadores sentiram a necessidade de ter um porta-voz. A primeira edição foi publicada nove meses após a fundação do Projeto, tendo sido elaborada pelos próprios coordenadores. Em 1999, após realização de parceria com o Departamento de Comunicação Social da UFMG , a publicação passou a ser elaborada por estudantes de jornalismo da universidade, sob orientação de professores da área.

Para o Projeto Manuelzão, segundo Almeida (2006) o Jornal/Revista constitui-se em um meio de relações nas quais não apenas a informação, mas aspectos tais como expectativas, regras, valores, reflexões deveriam ser essenciais e inseparáveis da produção de notícias. A tiragem do Jornal/Revista é irregular, mas geralmente trimestral, sendo a distribuição gratuita ao longo de toda bacia do Rio das Velhas. Atualmente todas as suas edições encontram-se também disponíveis no formato digital no site do Projeto Manuelzão.

                Para realização deste trabalho, considerando os dezesseis anos de existência do Jornal/Revista Manuelzão, optou-se por considerar a amostragem de um exemplar de cada ano, escolhido de forma aleatória. O ano limite para esta análise foi o de 2007, uma vez que, após estudo preliminar dos Editoriais, verificou-se singular prevalência de argumentações em favor de mudanças do estilo de pensamento higienista/antropocêntirco, nesta seção, nas publicações elaboradas até o referido ano.

Assim, a fim de alcançarmos os objetivos propostos, foi realizada a análise dos argumentos apresentados no texto do Editorial, de cada uma das onze publicações selecionadas, verificando-se traços/características constituintes do estilo de pensamento direcionado à nova mentalidade civilizatória, fundamentada na perspectiva sistêmica/ecológica, em oposição ao estilo de pensamento higienista/antropocêntrico.

Com base nas análises realizadas, foi possível identificar o emprego de termos e expressões recorrentes, tais como “mudança de mentalidade”, “novo fundamento”, dentre outros similares, associado a denúncias dos limites do sistema vigente, os quais corroboram para a argumentação em favor da necessidade de mudança do estilo de pensamento. Em termos gerais, avaliamos que é justamente nesta argumentação recorrente que está a contribuição da Revista/Jornal Manuelzão para uma nova visão de mundo, na medida em que, nos termos fleckianos, paulatinamente intensifica a fase das complicações do estilo de pensamento  anterior, abalando a harmonia das ilusões do sistema de opiniões então vigente.

A segunda fase do trabalho será desenvolver a análise das seções “Opinião” e “Manifestações”, a fim de se identificar o público alcançado pelo Jornal/Revista Manuelzão, bem como, a partir da análise do conteúdo destas seções, avaliar as possíveis influências desta publicação sobre o estilo de pensamento do referido público.

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